Simão/Symone: "Gosto de cantar a solidão, ela gosta de mim, somos um par perfeito"
Simão Telles é também Symone de Lá Dragma. Já foi concorrente do programa The Voice, RTP. Cantor. Intérprete. Transformista. Sonhador assumido. E, acima de tudo, uma força na luta pela igualdade. Nesta entrevista, abre-nos as portas ao seu mundo.
Inês Marto: Simão, comecemos por contar quem és.
Simão Telles: Olá querida Inês, olá a todos queridos leitores, o meu nome é Simão Telles, tenho 21 anos nasci no dia 27/06/1997 sou caranguejo, apaixonado, sensível amante de quem me é coração, das artes, dos poetas e de Portugal.
A tua profundidade é rara. Sentes que vens de outro tempo? Fala-me do teu mundo.
Sabes, há dias que penso que venho de outro tempo, de já há muitos anos atrás. E tenho dias que penso que venho do amanhã, do futuro, que estou a milhas de luz dos outros seres humanos. Para não me baralhar, e não baralhar os outros, prefiro dizer que nasci onde nasci, onde tinha de nascer, com a vontade de relembrar o passado para no futuro não ser esquecido.
O meu Mundo está e foi construído pelas feridas que a sociedade me foi impondo ao longo dos anos. As palavras machucam e doem, muitas vezes doem mais que um simples estalo. O meu mundo é a minha defesa, comecei por construí-lo no Cabaret (Bob Fosse / Liza Minnelli) aos 7/8 anos de idade e hoje acabo, já mais maduro, nas referências mais poéticas portuguesas.
A tua formação é de actor. Um dos teus sonhos é o Sunset Boulevard. Tens paixões inúmeras (Simone de Oliveira, Judy Garland, Dalida, etc). Há um padrão sobre o tipo de mulheres que te fascinam?
Sim, há. A mulher fatal. A mulher história, solidão, com força, garra, destruída mas amada.
A referência feminina, ao longo dos anos em que fui crescendo, deu-me gozo de ver. Quando falo em gozo, falo em prazer, falo em fascínio, o corpo da mulher é belo, o gesto singular da mulher é belo.
E depois lá está, cada referência tem o seu ponto de partida, a sua característica, mas todas elas, essas figuras que me atraem, têm algo em comum, todas fizeram a solidão a tristeza e a dor, arte!
O momento da minha vida em que eu acho que me apaixonei pela mulher foi quando ouvi o Somewhere Over the Rainbow, da Judy Garland, de um concerto que ela fez no fim de carreira, no Carnegie Hall. Foi aí que senti que aquilo era mais que uma canção, era mais que uma dor ou uma letra, era a arte. E acima de tudo era um pedido de ajuda, tão certo mas tão mal entendido.
Existem fronteiras claras entre o Simão e a Symone, ou é outro lado de ti? Como é que surgiu?
Penso que quando me fazem este tipo de pergunta que estão à espera de uma resposta oposta aquilo que costumo dizer. Mas não, somos iguais, um usa peruca, outro usa o cabelo à “Vera Lagoa”, é a única coisa que nos diferencia.
Sim, a Symone é a minha plataforma, é a minha voz, nunca em Simão eu faria metade do que a Symone faz, sou uma pessoa muito calma, pacata, tímida, medrosa. Se parecer ou vos der a dar entender o contrário isso é apenas a carapaça, chama-se protecção pessoal. Os meus amigos estão escolhidos a dedo, nos dez dedos da minha mão ainda ficam alguns livres, sou peculiar, e exigente para com quem me rodeia, gosto de pessoas.
Gosto de um abraço, de um beijo apertado! Não sou do snobismo do aperto de mão, não sou rainha, sou pessoa.
Se pudesse, seria mais Symone, infelizmente não me deixam.
A tua presença tem um poder extraordinário de disrupção. Quer sobre a homofobia, quer sobre o binarismo de género, quer sobre a ditadura da imagem. És uma inspiração e um exemplo para a sociedade. E a ti, quem te inspira e te dá forças?
Desde já, obrigado pelo rasgado elogio. Fico lisonjeado quando fico a saber que tenho pessoas que admiram o meu trabalho e que entendem tão bem a minha mensagem. Fico feliz em saber que alguma coisa eu já fiz. Mesmo tentando, vou conseguindo.
Tudo me inspira sabes, as pessoas inspiram-me, a vizinha do lado inspira-me, e não necessita de ter uma história pós-dramática em morte. Basta ela fumar e já ser “antiga” que isso me inspira. O riso e o choro das pessoas inspiram-me.
Os poetas, aí esses loucos libertinos, o Ary, a Natália, o Eugénio de Andrade ... os músicos, a Simone ... a minha e de todos, Simone (que até hoje penso que foi quem me deu ao mundo do espectáculo, o conhecer de coisas tão belas como é a música ligeira portuguesa, o cheiro da vida, e a amargura de viver).
Também tens um lado negro, que te dá outra densidade. Por um lado é destrutivo, por outro é uma mina enquanto arte. Queres falar sobre essa dualidade?
Tudo o que canto é “gritado”, chorado, interpretado, é dor! Eu canto para pedir ajuda, o meu lado negro são as minhas dores, os meus pesares, as minhas amarguras, que ao cantar as espanto, mas que quando me deito na cama, voltam, pois sem essa escuridão tão poética, eu, Simão ou Symone, nunca iria conseguir viver bem, nunca seria o artista que gosto de ser. Eu gosto de cantar a solidão, ela gosta de mim, somos um par perfeito. Que hei-de eu fazer?
Neste momento quais são os teus maiores objectivos? Há projectos novos em mãos?
Neste momento, estou a passar por uma fase da minha vida em que quero tratar da minha saúde e de mim, vou submeter-me a uma cirurgia. Como não tenho trabalho na área do espectáculo vou propôr-me a esta nova fase da minha vida, para mudar de hábitos e tentar ficar ou ser uma pessoa melhor e mais saudável.
Agora um maior objectivo? Sunset Boulevard, é um grande sonho meu poder interpretar o papel de Norma Desmond, na versão musical adaptada por Andrew Lloyd Webber. Tudo é perfeito - roteiro, letras, cenários, figurinos. (Uma curiosidade - Norma Desmond foi o papel de sonho da Simone De Oliveira, que ela nunca teve oportunidade de interpretar.).
Imagina que tinhas oportunidade de ser ouvido pelo mundo inteiro. Que mensagem gostavas de deixar?
Amar. Amor. Amar e amar e mais amar.
Era o que eu gostava que todos nós fizéssemos, amar o próximo, dizer não ao ódio, regularizar e manter a paz serena.
Mais uma vez amar, compreender. Nada é fácil, mas também só se torna impossível se assim o quisermos. Eu estou aqui. Nunca pensei estar. Quero mais? Quero! Vivo para isso, tento viver. Desistir? NUNCA!
Obrigado Inês pela maravilhosa e confortável amigável entrevista.
Tudo de bom para ti e para o teu futuro.
Muita sorte para as vendas do teu novo livro, que eu espero que seja, e será, um grande sucesso! ❤️
Do teu queridx Simão/Symone ❤️
Entrevista: Inês Marto
Fotografias: Pedro Magalhães e Miguel Prata