Eu floresço. Não habito o sótão onde mora a tua essência. Pudesse eu resumir-me a ávida coleccionadora de nuvens e estrelas no interminável ciclorama do tempo. Ou apenas gota de chuva debruçada ao precipício de onde sonhas. Quiçá ainda pudesse ser cinza que abandona a incandescência na morte lenta contra o muro que me mantém distante. Mas não. Prenúncio dos Deuses, havia de nascer de coração kamikaze. Não, não me resumo. Não, não me limito. Não, não desenho fronteiras de onde começo e acabas. Sim, agarro pelas minhas mãos para ti. Sim, sucumbo às tuas feridas. Sim, por detrás da barragem fechada a sete chaves dos olhos, dissolvo o eu e o tu. Sim, ser-te-ia refúgio sem nunca olhar os ponteiros. Mas não habito o sótão onde mora a tua essência. Eu floresço. Eu grito de mim aos céus. Dissolução, espada erguida na suplantaçāo, permeável ânsia de encaixe, simbiótica transcendência. Passo a passo. Sem tempo, sem espaço. Pudesse resumir-me à esperança que enlaço. Mão na mão, transparente. Vulcão de sonhos de gente. Eu sou esse pássaro holograma de sonhar, dentro da minha porta só fica quem nasceu para voar. Não habito o sótão onde mora a tua essência. Talvez seja barco onde navegues esvaindo o cansaço das noites. Talvez que o ser casa e colo e luta te seja doce. Mas não habito o sótão onde mora a tua essência. A tua vida é lá fora. Serei apenas estrela cadente. O ébrio regresso aos lírios do sonho, à distância de um suspiro. Renasço. Talvez te seja refrescante. Mas a tua vida é lá fora, onde os lírios secam e caem ao chão. Desvio. Afasto. Defendo. Talvez pudesse enjaular o coração, talvez pudesse amar a conta gotas. Talvez purgasse a dor do solitário renascer para ser só estrela cadente. Talvez pudesse, mas coração kamikaze só sabe dar saltos de fé, pensando toda a vez que talvez seja desta que a mão na mão permanece. Então, latência. Então, anestesiado olhar pelo vidro. Então, um pé aqui, insana utopia, o outro no solitário renascimento pronto a seguir caminho. Um limbo. A dor do desapego. Uma iconcreta estância de porta destrancada. Dir-te-ia ainda assim que o meu poema mais bonito é o abraço que espero sempre por te dar. Mas a tua vida é lá fora. Não habito o sótão onde mora a tua essência. Resta estender no limbo o tapete, dormirei no chão da tua rua, quieta, quiçá acordes e queiras permanecer. Se não, bordarei na minha partida sonhos a desaguar à tua porta, fio de Ariadne das minhas utopias. E lá longe onde continuo o meu caminho a passos sós, quiçá um dia nos voltemos a encontrar.
Submerjo no amanhecer azul onde não me resta a memória do sabor que tem a pele sempre que quero desprender-me de mim. Não sei porque terá sido sempre um mar o espelho dos meus estados-espírito, não sei porque é sempre nas falésias que me desencontro.
Nem que paisagem é esta onde a minha voz soa mais rouca, onde as ondas rasgam sinfonias no vidro das janelas e a madeira branca se descasca na salinidade, da minha pele, que não sei de onde vem e que me habita os versos.
Talvez outra parte de mim seja barco, peixe, gaivota. Talvez seja marinheiro. Talvez seja poeta, livre de pegar nos próprios passos e deixar-se deambular até onde as ondas beijam a costa, desses que ficam com estrelas por tecto a escrever noite fora.
Tenho os olhos semicerrados contra o vento. Ainda assim permaneço sentado. Não deixei rasto no areal, não sei de que se me fazem os passos. Cravo a mão na areia húmida, faço cair um punhado a conta-gotas. Orquídeas brancas tomam-me o rumo dos pensamentos. Talvez não seja nada senão ímpeto, na verdade. Ora passos perdidos, ora o secular mistério das flores, ora o silêncio de um oceano que me habita.
A noite passa, o requebrar dos búzios ecoa-me dentro do peito, talvez a prancha onde me salvo do abismo seja essa: um abrir de braços e a queda na superfície das ondas, o peito à lua, um flutuante grito de nada, deixado à deriva do mar que sou.
My body is a room full of ghosts Its walls made of frail bones, cracked stones Broken light rays hazing through the holes, made-up windows Violet and green hues collide, neon existances side-by-side Contrasting wolves fight for expression In a crystal chamber of ressurection Ever-changing shadows, they fill my soul Daunting growls of fear echoe through my skull My heart's an ever expanding bomb ready to collapse Counting my final days by a stop-motion time-lapse As I sit still hallucinating by the sea The wolves, they fuse themselves psychadelically In the dark room of dispair, their sillouettes embrace Ether floods the air, body seizes, there's no place Nowhere, no clocks, seizure of shattered bones and rocks The void of materiality bursts finally Violet and green they set me free
Sou… Tudo aquilo que sobeja à tentativa de expressão. Sou manifesto erguido em corpo, não me definam então! Pois nem eu sei das ruas por onde passo, que pedras trago comigo, onde desenho caminho, por onde ficam espalhados os nexos de tudo o que digo.Não. Não sou sóbria, nem tão pouco esse expectável romance feito poeta de café, não. Coerência descasco-a como peste adormecida, sou um pouco de Elis, um pouco de Frida. Não me prostituirei em textos de encaixe às massas ocas, da minha arte resta chama. E das minhas derrotas teço colchas, faço cama.Não me definam então! Sou o ponto vértice do que me impele o devir do dia. Um pouco Al Berto, um céu aberto inundado em maresia. Eu sou o nada, insolúvel transparência, deitada em lençóis de sangue, à mera sobrevivência. E o assumir dos passos mortos em queda certeira, e na rima que desfaço, dia-a-dia desenlaço os olhares de um mundo baço, que num trono vê cadeira, que nas asas vê prisão, que nas rodas vê caixão, luto de um coração vivo. Eu sou o sal na boca, a recusa de um cativo.Mais a barba que não tenho e o batom que não ponho, sou a bandeira do múltiplo pássaro livre do sonho, não me definam então! Nem me peçam mais que escreva a expectável biografia de discurso inspirador. Sou lado negro na pele, sou o relento da dor.Sobrevivi ao naufrágio de quem teme a solidão, eu sou o florir da força na cara da negação. E não temo mais o escuro, lambo desgostos, perduro, persisto, vagueio, perco o rumo, não existo. Renasço em abstraccionismos, dentro de mim tenho sismos, armários de imensidão. Não me cabe o ser ao mundo, eu não tenho dimensão! Não… Não me definam, então!
Tinha jurado que não voltava a escrever. Eram cinco da manhã, vesti o casaco comprido velho por cima do corpo, calcei as botas e saí, toldada pelas lágrimas. Calcorreei a avenida sem distinguir o chão, não via mundo à volta. Nem sabia se existia.Atravessei a cidade, ou assim me pareceu. Sentia-me transparente. Carros de outras vidas seguiam o seu rumo. Eu chorava. Abençoada solidão. Se estava frio não o sentia. Talvez a tua morte me tivesse tornado subitamente imune a essas infimidades de quem está vivo. Talvez tivesse morrido contigo também. Talvez afinal te tivesse agarrado com tanta força que consegui ir, como te dizia em tom de brincadeira, afirmando nos meus risos de criança que não me havias de deixar sozinha. Se calhar deixei cá o corpo só. Nessa noite pelo menos, sentia o triunfo de ter partido contigo.Sem saber como, cheguei ao cais. Deixei-me cair sobre o chão que não tinha. Fechei os braços sobre o corpo e deixei-me ser. Olhei para cima, como desde então olho sempre para te encontrar. E quando te vi acreditei. Talvez tivesses levado um pedaço de mim contigo, sim. Mas deixaste a raiz. Não me havias de deixar sozinha, tinha razão, habitaste-me então como nunca.Tinha jurado que não voltava a escrever. Mas trespassaste nas minhas mãos a sabedoria da terra. E a irrecusável missão de semear o que deixaste em mim do teu coração xamânico, que empresto às palavras a cada dia mais. Quando te vejo e te sinto e me permito à tua viagem, acredito. A cura do mundo pelo amor vale a travessia de ficar.
“Um coração pronto a pulsar na nossa mão”. Fomos O’Neill feito sal nas veias. Sulcámos as nossas pegadas na densidade do frágil. Consumámos a impotência, a verdade escura, contida e amarrotada. A que não pulula, a que não se diverte nem se convence. Traçámos os contornos à floresta dos medos. A boca sobre os dedos. Os olhos sobre as asas. O espírito consumado ao peito.Almejámos o longe. E na consonância das respirações encontrámos um salão de baile onde se dança por instinto; de um quase-toque sem tocar, de um quase-verso sem falar, de um todo-abrigo à mera existência.Nos passos firmes pousámos incertezas. E sobre os copos das ânsias enfeitámos um abraço. Sussurrámos as lâminas ácidas nos silêncios que pesavam à bagagem. Depois abandonámos as malas. Despimos a pele, hora após hora, trago após trago. Engendrámos novos passos, de sombra em sombra.Desenhámos de cor a expressão, como quem se sabe de outra vida. E fomos ferro e fogo e céu. E fomos útero e queda e túmulo. Do intangível tecemos redes onde despojar o corpo. E de sempre em sempre quebrámos horizontes a pulso. Os braços sobre o tronco. O flutuar sobre as tábuas.Um labirinto venoso disposto ao toque. Um abrir dos braços feito mundo. Um luar de raízes enleadas feito dança. O permanecer solar de uma essência feita chamas, que se adensa no entrelaçar de duas mãos abertas, fluidas, crescentes, que se libertam no espelho visceral.