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INÊS MARTO

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Cógito sobre Bullying ou (Con)Sequências da Vida | 24 de Março de 2015

 



Não sou motivational speaker nem quero ser, não fosse dar-se o caso de me tornar numa espécie de Gustavo Santos da santa terrinha (passo a redundância), mas sobre isto apetece-me falar.
Na minha altura (sou muito antiga) não se chamava bullying, ou pelo menos eu não tinha ouvido falar nisso, era mesmo só a idade da parvalheira.
Naturalmente, já várias vezes me pediram para falar publicamente sobre esta questão da paralisia cerebral, mas este assunto nunca se pôs. Bem, há capítulos que de vez em quando se têm que fechar, e este já faz uns aninhos que me anda aos trambolhões.
Miúda da voz grossa que me tentava fazer a vida num inferno (para o propósito desta dissertação vou-te chamar assim, até porque continuas a não dever interessar nem ao menino Jesus), primeiro que tudo, lamento, mas só conseguiste o teu plano maléfico provisoriamente. Não digo, deixando os meandros de mim para quem me conhece, que não tenha mudado nada, mas tem alguma graça a forma como as coisas se desenrolaram.
Miúda da voz grossa, abençoada distância, nunca mais te pus a vista em cima, nem sei nada de ti. Mas tenho que admitir que me diverte imaginar-te, ainda com a tua voz grossa (desculpa, isto se calhar também é bullying) a tentar descobrir ainda quem tu és, agora que (só se calhar) deixaste de andar atrás de toda a gente em rebanho.
Tu e as outras, e os outros, também. Cada vez que me lembro que me espetavam os bicos dos lápis na borracha, em jeito de protesto silencioso... santa inocência.
Ah, miúda da voz grossa, outra coisa gira era quando me chamavas puta... das duas uma, ou 'tadita não sabias o que isso era, ou então deixa-me que te diga que tens uns standards muito baixos...
Para a próxima que quiseres gozar avisa, entretanto aprendi umas graçolas giras, com esta coisa do teatro, é capaz de ficar mais criativo que isso, hein?
Isto para dizer o quê? Ah... está-se bem, cá por Lisboa, até quase que me esqueço que exististe. Mas depois lembro-me que às vezes é preciso partir muito carvão para se encontrar diamantes. Acho que te devo um obrigada por isso, miúda da voz grossa, fizeste-me elevar a fasquia.
E um desculpa, que provavelmente ter-me como alvo por tantos anos não foi fácil, deve ser por isso que ficaste para trás.
(Considera-nos quites.)

 

 
Texto recuperado de 24 de Março de 2015, já que, numa onda de balanços e reavaliações de mim mesma, voltei a dar de caras com ele e o achei sinceramente bem mandado demais para o deixar ali.

"Pessoas, pessoas por este mundo além…" | André Mendonça

 

Fonte: https://jessiaconstantino.atavist.com/were-all-equal
 
 
Nota: Este é um texto de reflexão e introspecção paradespertar consciência.

 

Pessoas, pessoas por este mundo além… Alguém faz ideiade como se pode conhecer pessoas com cabeça, com conteúdo, hoje em dia? Ondeandam as pessoas boas?
Num mundo em que as apps são oprincipal sítio onde as pessoas se conhecem, vivemos num mundo de valores todostrocados, o acto de conhecer os amigos dos amigos parece que desapareceu...
 
Só muito de vez em quando se conhece alguém decente, mas oque costuma acontecer normalmente é conversa de aparências, e na realidade e navida real a pessoa é outra… 
 
Falo com imenso conhecimento de causa! Já experimentei etestei imensas apps de encontros (Tinder,Badoo, Grindr, Hornet, Surge, Scruff, Happn, Bumble, Manhunt, GayRomeo, Gaydar,Moovz, Feeld, OkCupid, BoyAhoy e Bro) e tenho informação suficiente para fazerum mestrado/doutouramento nesta matéria!
 
Em mais de um ano de uso só fiz um VERDADEIRO amigo por lá,por mero acaso. Vivemos num mundo onde tenho de falar com pessoasnão-portuguesas para ter RESPEITO por quem sou, pela minha identidade de género(transfemenino) e condição médica (paralisia cerebral). Passa-se de um"ser atraente" para uma pessoa marginalizada...

Mais de 99% do pessoal nas apps está mais voltado para #agora #sexo #brincarcomsentimentos #usaredeitarfora #masc4masc #discretos #bear4bear #gym4gym #gympartner #nofemmes #nodivas #nocouples #nodisabled #foradomeio #heterocurioso #etc..." é para mostrar várias formas inocentes de descriminação camuflada em "preferências"
 
É horrível esse preconceito todo vindo da própriacomunidade!
 
O ano de 2018 começa da melhor forma. Estou na mais recenteedição da revista Vogue Portugal a dar visibilidade com o meutestemunho enquanto pessoa Trans (transgénero, queer, não binário, génerofluido, andrógino, transfeminino). Fazer a diferença. Um mundo melhor.Liberdade para ser se nós próprios. Sem filtros. [Assista ao vídeo clicando aqui]
 
O mundo precisa de mais pessoas assim!
 
Estou num artigo sobre pessoas Trans. Custa muito lutar,ultrapassar barreiras, dar o primeiro passo expor-se em prol dos outros e verque o esforço e dedicação são em vão...
 
A esmagadora maioria das pessoas que já conheci não é capazde ter respeito pela pessoa que sou, sem ter algum problema com o ser Pessoa:ser gay assumido ou ser transgénero ou ter paralisia… muitos consideram que, aocomeçar a afirmar-me, que deixei de ser eu, de ter as minhas qualidades, osmeus valores, os meus ideais, os meus interesses.
 
 
 
Qual a probabilidade de descobrir alguém, para além do meuatual parceiro, que: 
 
* respeite os meus ideais, crenças e convicções;
 
* respeite a minha orientação sexual
 
* respeite a minha identidade de género, a minha dualidade ea minha feminidade;
 
* respeite o facto de eu ter deficiência e as implicaçõesque isso traz;
 
* respeite o eu considerar-me poliamoroso assim como o meuparceiro e não há nada de errado com isso, não, não somos aliens;
 
* respeite e compreenda os traumas que eu tenho devidoao meu passado, pois não o escolhi
 
* respeite a minha situação socio-económica
 
O resultado desta “multiplicação de probabilidades” de umponto de vista matemático, dá um número fantástico, perto de zero. (risos)
 
 
 
É grave isto estar-se a tornar numa comunidade assim, e éainda mais triste só conseguir aceitação de pessoas estrangeiras. 
 
Para além de não poder contar com a minha família de sangue,perdi 99% dos amigos ao sair do armário enquanto pessoa T, fogem de mim por tera coragem de ser eu mesmo, ou então atacam-me. Rejeitam-me por tudo e pornada, por ter o cabelo comprido, por ser feminino, por ter PC (ParalisiaCerebral), etc. 
 
Respeito e Aceitação = ZERO!
André Mendonça
 
 
Mal vêem uma foto minha deixam de me falar, não há quemconsiga ter a capacidade e dar-se à oportunidade de me conhecer enquantopessoa, enquanto humano. Porque aí sim vão conhecer a verdadeira pessoa que soue surpreender-se.
 
Uma mensagem a todas as pessoas que estiverem a ler isto etem algum tipo de complexo com alguém como eu: “Sou Pessoa, Sou Humano, SouVálido, tenho Orgulho em mim. Sou bem resolvido. Sabem qual é o vosso problema?Falam demais. Não se respeitam nem se aceitam a si próprios, são machistase tudofóbicos, por favor parem de atacar os outros.”
 
Já tive "ex-amigos” (questiono-me se alguma vez comopude ser amigo de pessoas assim), a dizerem que não saem comigo por eu estar ausar um vestido. A comunidade não consegue (no geral) respeitar quem é"diferente", quem foge à regra, quem desafia os padrões do quequer que seja, ser visto como activista também não é olhado com bonsolhos, nem há espaço pra isso. A essência das pessoas deveria sempre prevalecere sobrepor-se a tudo o resto...mas o mundo já não é assim!!!
 
 
 
Custa-me não ter vida social (complicado quer pela falta deamigos/interação social e por os ambientes que existem para esse efeito serembem transfóbicos, normativos e machistas) não ter praticamenteamigos, fazer tudo aquilo que alguém da minha idade faz... Não me sinto a vivere aproveitar de forma consciente e correcta os meus vintes anos.. muitas dasvezes sinto-me com 30 e poucos anos quando só tenho ainda 21 e muito pelafrente para viver...
 
Há imensa falta de empatia, entreajuda, união. É duro, muitoduro ter de ultrapassar diversas tantas barreiras e desafios para poderconcretizar algo básico, que muitos até podem não dar valor. Mas para mim podesignificar o universo. 
 
Tem de haver muito mais consciência da complexidade e pesoque se atribui aos problemas, eu tenho 99 problemas e a paralisia cerebral é sóum deles.
 
André Mendonça. Vogue . Janeiro 2018.
 
 
Sabem o que é ter o dia a dia numa luta constante?  Hádias em que desejava ter um pouco de paz e uma lufada de ar fresco e ondearranjar forças para levantar o queixo, para lutar sorridente sem ter sempre umnovo problema a surgir atrás de outro e irem-se acumulando…uma pequena grandebola de neve…
Saiamtambém da cave do preconceito, do conservadorismo, dos estereótipos, e fechem aporta a sete chaves com as fobias lá dentro!
 
Estamos em 2018, espalhem AMOR, por favor.
 
 
 
 
 
André Mendonça
 
Texto editado e sujeito a algumas alterações para efeitos de publicação.