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INÊS MARTO

INÊS MARTO

LIVROS À VENDA:

Não há fôlego que nos salve

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Hoje escrevo para ti,

como não fazia há

tanto

tempo

na impossibilidade de afogar em nova esperança

o que podia ser feito de nós

Digo-te que senti

Que sinto

Sinto tanto a tua falta,

Fundem-se as tuas lágrimas nas minhas e

não há fô-

lego

que nos salve

do que de ti me ficou impresso no corpo

Não há pontos

finais

as palavras não fazem

sentido algum

ou talvez sim

talvez o sentido seja

o sonho

que é como dizer, talvez o sentido sejas

tu

ou o que de ti eu resto

Alquimia de tinta

reencontro

nesses laivos de poema

onde te abraço

sem tempo

Vem, fica, hoje não quero acordar…

Fibromialgia: Rita Ribeiro e a nova perspectivação do corpo | Opinião

 
A actriz Rita Ribeiro esteve esta manhã presente no programa Você na TV, na TVI, onde conversou com a apresentadora, Cristina Ferreira. Há dois anos atrás, Rita Ribeiro foi diagnosticada com fibromialgia, facto que revela agora pela primeira vez.
A minha experiência no que concerne ao meu relacionamento e perspectivação com o próprio corpo, nas suas limitantes mais óbvias, prende-se com a paralisia cerebral, nada tem a ver com fibromialgia. Portanto não é sobre as doenças em si que pretendo opinar. É, antes, sobre o discurso de Rita Ribeiro e as reacções maioritariamente adversas que recebeu.
Desde logo, a revelação do diagnóstico surge como uma surpresa generalizada, sobretudo por Rita Ribeiro se ter mantido sempre no activo e a dinamizar permanentemente novos projectos, ao longo dos dois anos em que já lida com a doença. A própria diz que a sua presença no programa tem o intuito de servir como voto de esperança para as pessoas.
A indignação de grande parte do público demonstrou-se em pessoas que sofrem de fibromialgia e se sentiram mal representadas, chegando mesmo a acusar a actriz de ter dado um testemunho pouco verdadeiro, pouco fiel, ou a indignarem-se pela promoção do trabalho artístico, ou pelo acesso a tratamentos dispendiosos, ou pela "leveza" com que a mesma relatou a situação.
Postas as cartas em cima da mesa, volto a dizer, crédito para falar de fibromialgia tenho zero. Agora tenho, isso sim, enquanto pessoa com paralisia cerebral com 22 anos, uma visão já algo solidificada sobre a representação nos media daquilo que são doenças crónicas, afectantes da parte neuromuscular, que nos levam forçosamente a ter que perspectivar de alguma forma o próprio corpo, todos os dias, por sermos constantemente lembrados da sua existência na dificuldade de movimentos ou na dor.
E, como tal, parece-me absurda a grande maioria dos comentários e a maioria das acusações, muito sinceramente. Ora, se é ponto assente que a doença se caracteriza pela multiplicidade de graus, logo aí não faz sentido o backlash com que a acusam de um testemunho pouco verdadeiro.
O mesmo acontece em relação à paralisia. Não existe tal coisa como uma representação pouco legítima de uma doença que é tão múltipla. Existem sim representações mais ou menos estereotipadas, mas, sendo que cada caso é um caso, será sempre mal representado para alguma parte dos visados, inevitavelmente. Sim, também me chateia que muitas vezes a imagem da paralisia cerebral se prenda com pessoas com a mobilidade de tal forma reduzida que não seguram a própria cabeça, têm movimentos involuntários, babam-se, etc.
Mas a realidade é que existem. E o problema não está em que eles estejam a dar a cara, está sim em que o restante espectro não seja abordado. Está sim em que não se dê visibilidade ao facto de nem todos serem assim. Está sim na falta de conhecimento generalizado da população. E isso não se combate insultando as pessoas que dão a cara, nem pondo em questão a legitimidade disso. Isso só se consegue combater mostrando que também existem mais, não obstante desses - mais graves ou menos graves - que foram representados no momento. Toda e qualquer representação de uma doença que se manifesta em pluralidades contribui para a noção da existência dessas mesmas pluralidades. E a comunidade deveria, penso eu, apoiar, e partir daí para informar do resto. Em deitar abaixo não há ganho absolutamente nenhum.
Mas não acaba aqui. Não é preciso conhecer Rita Ribeiro muito a fundo para se perceber que é alguém espiritual e emocionalmente muito apurada, sensível e inteligente, basta que a ouçamos. Como tal, abordou as consequências do plano emocional no plano físico. Não é, infelizmente, uma equação óbvia para a grande maioria, e talvez um dos grandes problemas da humanidade esteja aí. Levaram o discurso como se desvalorizasse a questão e não retratasse a realidade como o problema sério de que se trata. Os títulos sensacionalistas só desajudaram e só levaram a que muita gente, pelo que se lê nos comentários, saltasse para conclusões precipitadas.
Rita Ribeiro disse ter sido uma bênção ter sido diagnosticada com fibromialgia, verdade. O que a grande maioria se está a esquecer de abordar é o contexto em que o disse, e que explicou imediatamente a seguir. E que, como pessoa com paralisia cerebral, tenho que concordar. Disse-o no sentido em que teve que passar a ter muito mais atenção a si mesma e ao seu corpo. E esta realidade é um facto, como dizia acima. Quem sofre deste tipo de situações neuromusculares, e aqui tenho o meu conhecimento de causa, jamais se consegue esquecer do próprio corpo. É forçado a perspectivar-se. É forçado a encarar-se todos os dias.
A grande diferença é que Rita Ribeiro escolheu tomar isso como estímulo para uma mudança positiva na vida. A grande diferença é que não se deixou abater. Nem tão pouco apontou o dedo a quem tem outra forma de lidar. Aliás, como a própria respondeu publicamente:
 
 
 

Não vou entrar em competição com quem tem mais ou menos dores! Nunca pensei tornar público um assunto que é da minha vida pessoal, mas quis partilhar soluções que na minha experiência me fizeram ter uma melhor qualidade de vida! Em qualquer questão o que todos nós seres humanos precisamos é de soluções! Mas é o meu ponto de vista e respeito todos os outros! Desejo as maiores felicidades para todas estas senhoras, mas ocorre-me dizer que “destilar” azedume não contribui em nada para a nossa saúde!

 
Falou sobretudo da influência que o bem-estar espiritual e emocional podem ter na forma de combater as agravantes físicas. Não vejo qual é a parte ofensiva nisso. Não vejo qual é a parte ofensiva na promoção de um estilo de vida saudável e equilibrado enquanto, isso mesmo, tentativa de equilíbrio face ao resto.
Resultou no caso, óptimo. O que penso que devia haver era felicidade por um caso de quem está a batalhar para contornar e a conseguir. Da mesma forma que não condenou quem recorre à medicina convencional, da mesma forma que não se disse dona de nenhuma verdade absoluta, não entendo porquê isso estar a acontecer de forma tão exacerbada do lado contrário.
Falo por mim, no dia em que vir alguém a falar de paralisia cerebral, relacionando-a assim com a vertente emocional, mostrando assim que há caminhos pelos quais, embora não revertendo, se torne mais fácil  suportar ou contornar, o mínimo que me vejo a fazer é aplaudir, e ter espírito aberto para tentar, ou se vir que não é para mim, por, lá está, cada caso ser um caso, aceitar como parte da multiplicidade.
Mas, como sempre, estamos a mostrar-nos Portugal: onde se é preso por ter cão e preso por não ter. Se o testemunho fosse de alguém que levava a questão de uma forma pesada, vitimizando-se até como acontece muitas vezes, não iam faltar discursos de ódio porque "lá vem a história da coitadinha". Agora que acontece o testemunho de alguém que transforma a dor em algo positivo, porque conseguiu - e ainda bem, tomara que conseguíssemos todos - têm vergonha da representação da doença e falta um testemunho verdadeiro? Como se ela tivesse chegado com discursos dogmáticos sobre o que quer que fosse... Limitou-se a partilhar o que para ela deu resultado. Que mal traz isso ao mundo? A mim parece-me é que falta, como tenho dito, humanidade.
 
 
 

(UNBREAK)ABLE: a wheelchair performance


 


 

 

"Quis despir-me. Na verdade, queria poder despir mais que o corpo. Depois das roupas queria tirar a pele. Depois da pele queria arrancar a carne. Depois da carne desfazer os ossos entre os dedos e os dentes. E desse nada que restasse, ver nos meus despojos até onde se demarca a minha diferença. Isto sou eu. Não sei o que isso quer dizer. Não sei a forma certa de me olhares, não há forma certa de me olhares, não há forma certa de coisa nenhuma, era por isso que não sabia como fazer nada disto. Partiria tudo do pressuposto do que vês quando me olhas. E a verdade absoluta de mim, nem eu a tenho.



Uma pessoa, por acaso numa cadeira, ou uma cadeira com uma pessoa? Isto sou eu. Há 22 anos que ansiava pela minha própria libertação. Descobri a arte como espectro das minhas prisões. O alimentar e o alimento circular dos meus fantasmas. Tempos a fio procurei um grito de fénix. Mais tarde percebi ser cíclica. Caminhar lado a lado com a morte, respirar cara a cara com o frágil, transpirar pele a pele com o vácuo, é isso que me renova, é isso que me mantém. Será um dos meus poucos vícios, injectar sal nas feridas.



Quis mostrar esse tanto mais. Para lá de posto em causa o diferente e o igual, o que fica por ver. Não sabia como. O meu corpo, por si só, grita teses demasiado alto para que o resto sobressaia.



Então, quis ir mais longe ainda: fiz da nudez ferramenta, das cicatrizes néones para um olhar aberto, das deformidades um púlpito por onde te trago a olhar-me desde mim. E despojei o caminho expectável do resultado artístico. Ao que em mim há de poeta, retirei a poesia. Deito-me por terra, o nu do corpo espelha apenas a erupção que há-de vir. Faço da sujeição à minha própria infimidade desmascarada, despudorada de artifícios, o veículo para a minha própria libertação.



Era isso que me faltava – não eram poemas, não era a demonstração óbvia do físico per si, não era o simbolismo artístico de uma identidade fluida de género, ou o fio da navalha da morte – isso é o que já sou todos os dias. Faltava-me a crueza de me deixar ao precipício de mim, puxar da raiz de todos os traumas e deixar que a realidade tomasse o seu curso de explosão. Por uma (e de uma) vez, sem estéticas, ser-me veículo e permitir-me a chorar todas as lágrimas. Incorro no risco do sufocante demasiado, ciente disso como na vida, acompanhar-me-ão os que souberem ficar, do maior resto não rezará a minha história. Hoje enfrento os meus fantasmas, cultivá-los-ei alimentados da minha pele, suor, lágrimas, e tudo o mais que este deliberado incurso no precipício proporcionar, para que jamais me deixem. É deles que voo. A minha vida é isso – vertigem."



 



(Texto produzido para contextualização do processo criativo da performance (Unbreak)able: - Estudos de Performance - Licenciatura Estudos Artísticos, Artes do Espectáculo, FLUL 2017.)

Contentar-me com o que é meu? O meu agora é o do amor | 5 de Janeiro de 2016

 
Texto recuperado de 5 de Janeiro de 2016:
 
Derivações do silêncio: 5 de Janeiro de 2016 (às minhas âncoras):
Aqui, na mesma cama onde tantas vezes já chorei e ri até não respirar. Onde já jurei pela vida... não voltar e onde voltei sem ser capaz de ficar longe. Aqui onde tanto se fez casa à força do amor, como se manteve no fundo da garganta esse sabor a lugar estranho. Onde se manteve o desejo de mudar. Onde permaneceu a esperança de um amanhã mais risonho. Aqui na mesma cama que podia ter sido qualquer uma das camas por onde passei, girou o disco e voltou a tocar a mesma canção em todas. Onde encostam testa com testa estilhaços de traumas e insónias e a força de acreditar que se pode chamar casa de qualquer palmo de terra onde nos possamos amar em paz... as vezes que me ecoaram estas últimas palavras na cabeça...
Pergunto-me muitas vezes, vezes demais, tanto porquê como para quê esta insatisfação. Vezes demais porquê estas asas que teimam em crescer, vezes demais para quê este sonhar tanto e o só estar bem onde ainda não cheguei. Porque é que não me conformo a caminhos curtos, a saídas fáceis, a zonas de conforto. Porque é que não ouço as maiorias que tanto disseram que dava passos maiores que a perna e me chamaram utópica. E provavelmente o continuarão a fazer lá longe, que eu, à força de voar mais e mais, não estou lá para ouvir.
Certo é que tenho muitos "ses" a ecoar, vezes demais. E me pergunto em demasia como raio seria se me tivesse conformado à condição que tanta gente achou que me estava imposta e que eu - teimosa - teimo em chamar de característica. Certo é que sobram noites a mais a pensar se não quererei afinal voos maiores que os que consigo alcançar e não deveria antes contentar-me com o que é meu e ficar assim.
E a resposta é não. Até hoje foi não e continua a ser não. E se deixar de ser não, ou sou finalmente feliz ou algo de muito errado se passou comigo. Continua a ser não. Não aqui, não assim, não. Teimosa, pois sou.
Pergunto-me vezes demais o porquê desta insatisfação que me parece permanente. E há um chão de vidro que estala e me transporta de novo ao que ficou a ecoar.
E continua a ser não a esta vida como ela é hoje porque quero ser alma velha e arte em paz. Porque quero ser do contra, dos horários dos poetas, do deitar-me com o sol nascer em nome de fazer arte, das tertúlias regadas, do chão cheio de papéis, das dores de cabeça dos projectos por fazer e dos nervos das estreias e dos prazos a acabar. E do gira-discos a tocar fora-de-horas porque a arte chama e de uma casa cheia de desalinhados para quem os sonhos falam mais alto. Dos que fazem casa de qualquer canto porque aquele nosso canto será casa por ser nosso, de quantos nós quisermos ser, desde que sejamos felizes.
Continua a ser não, porque afinal ainda ecoa o poder amar em paz, o poder ser dos desalinhados em paz, sem ter que obedecer a regras ocas dos caminhos direitos porque sim.
Continua a ser não, porque assim como está o agora me tenho que lembrar das âncoras mais vezes do que as posso sentir. Porque quero ser convosco sempre que quiserem ser comigo. E que possamos sê-lo juntos sempre que nos apetecer, mais vezes do que nos lembramos à distância da falta que estamos a fazer. Continua a ser não porque quero uma vida e um lugar onde o campo de batalha se dissipe e onde possa espraiar o lado que as âncoras nunca desistem de colorir. Continua a ser não porque quero um agora onde só custe o que tiver que custar. Onde possa chamar-vos, ter-vos e ficar-vos, e ficarmo-nos. E conversar noite fora ou não fazer nenhum.
Continua o inconformismo porque quero um agora onde não seja preciso agarrar-me às nossas memórias porque vos posso ter comigo sempre que quisermos ter-nos. Porque não quero procurar agoras onde vos possa amar em paz e continuar o eco. Continuo a sentir as asas crescer, mesmo que não devessem, porque quero um agora onde possa ser-vos casa e limpar os escombros de uma vez. Quero um agora onde, além de tatuados na pele, me estejam tatuados na vida sem que se imponham barreiras, já chega que seja difícil quando tem que ser, que o meu agora não nos impeça o amor.
E então que as maiorias (para quem isto não fará sentido nenhum) me chamem mimada e exigente e me apontem o dedo à falta de racionalidade. Felizmente, sou alma velha e desempoeirada, mesmo quando o agora não o permite, que fará quando puder ter a vida que quero. Continua a ser não, continuo a sonhar, porque sou ancorada a quem me faz acreditar que a melhor casa é o amor. E eu - teimosa - hei-de conseguir chegar às quatro paredes onde possamos ser o que quisermos.