"É o tornar-me mais mundo que acaba por me manter." | Inês Marto
Sexta à noite. Vim a casa da minha mãe. Estou numa altura com pouca coisa obrigatória que fazer (ainda bem), o que me deixa - ainda mais - com demasiado que pensar (se calhar não tão ainda bem... ou se calhar sim, a linha é ténue entre o desenvolvimento de novos caminhos ou o vertiginoso descarrilanço existencial, nestas alturas, o que pode ou não levar ao primeiro outra vez, também, mas isso é outra história).
Dou comigo no habitual eco de pensar em metas (a meio caminho entre o primeiro e o segundo, portanto, vamos lá ver)... Às vezes não sei se seria mais feliz se fosse menos inconformada, ou se é por ser inconformada que vou provando um bocadinho do que é ser feliz. Mas a verdade é que é consistente em mim a necessidade de mais. Algo mais. Nem sempre sei exactamente o quê, mas mais. Se por um lado gostava dessa coisa da tranquilidade dos anos - se é que seja verdade - por outro, acho que isso era bem capaz de ser a minha morte.
Estava a ver o podcast do Rui Unas, Maluco Beleza, com Herman José:
(De nada.) Quando, no contexto da conversa, Herman diz que, quando se tem absolutamente tudo acaba-se o desafio. E de repente fez um pouco mais de sentido, esta minha dicotomia entre a ânsia por alguma paz de espírito - passo a absoluta estupidez deste antagonismo - como dizia na entrevista, e a comichão desalvorada que me provoca a estagnação decorrente das zonas de conforto.
O podcast toca também na questão da reinvenção constante, que acaba por ser uma primeira necessidade sobretudo no campo artístico. E de facto, do alto dos meus 22 anos pequeninos, não posso deixar de o sentir.
Bem sei que tenho o terrível defeito de querer que tudo aconteça e depressa, que se desenrole e que venha mais. Bem sei que me falta a paciência para ver o que é que o tempo me reserva, de tal forma que muitas vezes quase me afogo.
Mas a verdade é que me encontro àquilo que a mim me parece muito tempo (a nós parece-nos sempre mais, pronto) à procura de um lugar válido, subsistente. Nunca quis tronos, mas gostava de sentir um bocadinho de chão. Um bocadinho de vida, boa ou má, mas conseguida à custa daquilo que desde que me lembro é o que quero da vida: a minha escrita.
E então dei de caras com a minha flagrante pequenez (como felizmente dou muitas vezes, não gosto disso de não pisar o chão) e indaguei até que ponto sou alguém, para alguma coisa. Até que ponto é que o mundo me deverá efectivamente um lugar, ou serei eu que tenho que infinitamente mais me tornar lugar a bem de vir a conquistar o meu bocadinho de mundo.

Estamos na era do imediatismo. Talvez venha daí também alguma da minha dificuldade em dar tempo ao tempo. E sempre que assento os pés no chão, contrasta-se a minha avidez por um lugar com esta tal noção de ser mera gota.É daqui que nasce a minha sede de desafios, é sempre deste contraste. Pauto-me por crescer. Sempre que me debato sobre ficar, é o tornar-me mais mundo que acaba por me manter.
No caminho para cá falava sobre possibilidades de futuro. Cheguei depressa à óbvia falta de desafios que sinto. E não é que tenha nada na mão, propriamente, até se torna num quadro ridículo de estagnação a pairar, sem a zona de conforto sequer.
A única coisa que sinto conquistada aos poucos, a pulso, é um punhado de gente, não muito grande, mas muito sólido, que começa a querer ouvir os meus gritos. E nisso não nego o privilégio.
Pensava, nesse entretanto, talvez voltar a Psicologia. Talvez mestrado em Filosofia. E a seguir o previsível "Mas que saídas é que isso me dá?". A questão é que não quero "seguir" nada disso, mesmo. O que quero (tentar, na medida em que mereça) poder fazer da vida é realmente arte, seja lá em que valência melhor a transmita, ainda acho que é escrever. Mas talvez me desse mais credibilidade. Mais "direito" a uma plataforma, a um lugar, a esse bocadinho de mundo que me deixasse ter a minha vida.
E, ironicamente, depois de tanta pressa em agarrar tudo, penso "Mas gostava de fazer isso no meu tempo, enquanto vivo." (não sei que parte da frase me deu mais vontade de rir)... por auto-expansão, se me pudesse dar a esse luxo, como quem se cultiva enquanto tem a sua vida, só que na esperança de poder ter legitimamente a sua vida... podia ser um caminho...
Será isso? Será que é aí que me encontro nesta contradição? Entre o querer que a vida inteira me aconteça para ontem, tanta é a ansiedade; e o dar-me tempo para viver no meu compasso e me expandir, até que aconteça por mérito, que seja quando for é no tempo certo? Há mediatriz, sequer?
Se tivesse respostas, não era eu.