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INÊS MARTO

INÊS MARTO

Seria amor

E tendo limites, ainda seria amor? Não sei. Não sei com que direito me apodero eu da tua vida e das tuas amarguras, como sendo minhas. E com que direito abraço os teus fantasmas e abro as cortinas das janelas do teu sótão, como se fosse meu? E te imagino comigo quando não estás e deixo que a tua presença imaginada preencha os meus vazios, como um boneco de corda nas minhas mãos.

E se fosse ético, seria amor? Com que direito vou ao fim do mundo para lutar pela tua vida e me recuso a perder as forças? E levanto o teu castelo de cartas sempre uma vez a mais que as quantas que ele caia.

E se fosse lógico, seria amor? Quantas vezes peço que se concretizem os teus sonhos e adio antes pedir os meus. E quantas vezes espero que a minha força chegue. E quantas vezes me encontro em silêncio a arquitectar formas de seres feliz... Com que direito faço eu força para colorir o teu destino?

E sempre que sonho abraçar-te e trazer-te ao colo para o resto da vida? E levantar o peso todo dos teus dias, e colocar-te numa bolha à prova de dor. E depois saltar lá para dentro contigo e empurrá-la para o mar. E fugirmos para longe. E não te largar mais. E ser o teu abrigo e a tua casa e a cama dos teus suspiros e a almofada das tuas ânsias, que descansasses no meu peito. E se não fosse ridículo, seria amor?

Porque a tua felicidade me preenche mais que a minha. Porque o teu porto seguro me abriga mais que o meu. Porque sem que os dias me deixassem dar por isso te tornaste mais eu que eu mesma. Porque fazes parte de mim. E não uma parte qualquer. Fazes parte de mim da forma que faz parte um tesouro de um navio naufragado.

Porque te assumi como intrinsecamente meu. Outra pele da mesma essência. E porque me projecto em ti e tu em mim, com linhas progressivamente mais esbatidas. Porque tu és meu e eu sou tua. Mas a tua vida tem em mim dimensão maior que a minha, truque de magia de algo maior que nós. Com que direito preciso saber-te bem, para ser feliz? E se não fosse egoísta, seria amor?