Seria amor
E tendo limites, ainda seria amor? Não sei. Não sei com que direito me apodero eu da tua vida e das tuas amarguras, como sendo minhas. E com que direito abraço os teus fantasmas e abro as cortinas das janelas do teu sótão, como se fosse meu? E te imagino comigo quando não estás e deixo que a tua presença imaginada preencha os meus vazios, como um boneco de corda nas minhas mãos.E se fosse ético, seria amor? Com que direito vou ao fim do mundo para lutar pela tua vida e me recuso a perder as forças? E levanto o teu castelo de cartas sempre uma vez a mais que as quantas que ele caia.
E se fosse lógico, seria amor? Quantas vezes peço que se concretizem os teus sonhos e adio antes pedir os meus. E quantas vezes espero que a minha força chegue. E quantas vezes me encontro em silêncio a arquitectar formas de seres feliz... Com que direito faço eu força para colorir o teu destino?
E sempre que sonho abraçar-te e trazer-te ao colo para o resto da vida? E levantar o peso todo dos teus dias, e colocar-te numa bolha à prova de dor. E depois saltar lá para dentro contigo e empurrá-la para o mar. E fugirmos para longe. E não te largar mais. E ser o teu abrigo e a tua casa e a cama dos teus suspiros e a almofada das tuas ânsias, que descansasses no meu peito. E se não fosse ridículo, seria amor?
Porque a tua felicidade me preenche mais que a minha. Porque o teu porto seguro me abriga mais que o meu. Porque sem que os dias me deixassem dar por isso te tornaste mais eu que eu mesma. Porque fazes parte de mim. E não uma parte qualquer. Fazes parte de mim da forma que faz parte um tesouro de um navio naufragado.
Porque te assumi como intrinsecamente meu. Outra pele da mesma essência. E porque me projecto em ti e tu em mim, com linhas progressivamente mais esbatidas. Porque tu és meu e eu sou tua. Mas a tua vida tem em mim dimensão maior que a minha, truque de magia de algo maior que nós. Com que direito preciso saber-te bem, para ser feliz? E se não fosse egoísta, seria amor?