Frestas de abraços
Vieste pela calada, sem que soubesse muito bem como ou porquê. Ficaste a olhar-me, sorrateira, como ainda hoje me olhas, do teu parapeito de humanismo invulgar.Cheguei pé-ante-pé e a medo. Eras tijolo das memórias que se fizeram sonhos. Cheguei sem que nunca pensasse que ia chegar. Fazias parte desse encanto empoeirado de polaroids mentais que nem me ocorria avivar.
Mostraste entre pequenas frestas de abraços que a janela da tua vida jorra uma paisagem como há poucas.
Rasgaste-me as suposições com o que até hoje suponho que para ti sejam gestos simples.
Puseste os teus olhos na linha dos meus, como poucos souberam fazer. Foste-me convidando a ver da tua varanda como se o privilégio fosse teu. E tudo isto tão subtilmente que talvez nem tu o tenhas notado.
Olhaste para mim com doçura nos dedos e elogiaste-me a força. Tu que és pedra do alicerce que me ensinou a sonhar. Tu que trazes flores no peito por definição. Tu que talvez saibas afinal que são os mais fortes aqueles de quem se parte do pressuposto que sabem sempre da sua própria força. Tu que talvez saibas que afinal são os mais fortes que mais precisam de ser lembrados e reafirmamos que o são. Tu que talvez entendas tudo isto sem esforço porque afinal fazes parte desses, dos poucos, dos nossos.
Tu sobre quem nunca pensei escrever, a quem bastou pouco mais que um olhar para ler o coração, tu, que nunca hão-de supor que és tu. Nem eu.
Tu que até hoje passaste leve mas tocaste fundo sem precisar de tentar.
E tu que sem que saiba porquê, e porquê agora, me afastas o sono para te pôr em linhas. Que tens sob a tua janela um par de pequenos olhos castanhos, de longe, ávidos de beber da nossa raça em mesa redonda, ainda que o porquê de tudo isto faça eco. Pouco importa.