Femme fatale
Ela passava, serpenteando os passos. A pele de alabastro beijada pelo sol das janelas, no corredor infinito da vida. Os cabelos cor de fogo ondulavam como chamas no vento de um deserto nocturno. Ela, a musa da sua mente, perpétua metamorfose, desejo sem forma, corpo sem rumo, alma sem nome. Navio sem cais, sereia perdida, era o sonho consumado do amor da sua vida.
E nada enfim, se não o pueril tempo e intrínseca solidão. Via passar a vida, e ele sentado no velho banco do cais por onde ela lhe fugia, escrevia poemas sobre a ferrugem dos carris e a decadência do túnel.
Ensurdecido pelo rosnar de tão selvagem amor como aquele, dava-lhe tudo de si. A mente, o corpo, a alma e o tempo... entregava-lhe a vida de bandeja, e dela se fazia escravo e espectro, esponja e espelho, marioneta e escultor a ela - sua eterna amante, sua mais fogosa paixão, seu derradeiro ópio, a mais bela jóia da sua arte de alquimia - a Poesia, porque só assim sabia ser.
Afigurava-se-lhe a mulher mais encantadoramente perigosa com quem os trilhos da sua vida se haviam alguma vez cruzado. Sedutora, irresistível, dotada de uma beleza inatingível por qualquer mulher mortal. Perspicaz, acutilante e arrepiantemente intensa, havia nela uma tão nobre carência, que se tornava magnética. Frágil, a sua amante era o mais perfeito lado negro da lua. Hipnotizante, inebriante, cravejava-o de sede de si, bebia-lhe os poros, sugava-lhe o espírito...
Poesia, eterna femme fatale, com ele dançava assim a dança de dois gumes - a moeda e o reverso, a prisão e o refúgio, um amor elevado a expoentes celestiais - a Vida.