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INÊS MARTO

INÊS MARTO

Carta às gentes do Palco

Sou pouco ou nada neste mundo do Teatro, não mais que sonhos talvez... não tenho idade nem estatuto para falar... eu sei... ganhava mais se estivesse calada e me passasse tudo ao lado, também sei. Dizem-me para estar quieta e não me meter em confusões, que não tenho nada a ganhar com isso, para não levantar ondas e seguir a corrente porque sou muito nova para comprar guerras... Pois, agradeço a preocupação, e devem até ter muita razão nisso, mas não consigo.

Não quero nem vou tomar partidos, até porque acho que nem devia haver partidos, mas tenho de deitar isto cá para fora. Sei bem que parece injusto e se calhar é mesmo injusto eu estar a criticar e a queixar-me, porque sou muito nova, e ainda nem sei nada do que isto custa, ainda me falta viver e aprender muito, e é uma ingratidão da minha parte para com quem me deu a mão desde que entrei neste mundo dos palcos, mas há coisas que me entristecem e que me revoltam até.

Não sei, até agora não consegui perceber, se estas características são parte do que é ser adulto (e se assim for, dispenso crescer, obrigada) ou se afectam em especial a classe artística, e nesse caso, entristece-me especialmente porque há quase 18 anos (ou desde que tive idade para amar alguma coisa) que a amo e admiro especialmente.

Perdoem-me o facto de me incluir nesta classe, não mereço ainda esse nome e respeito muito quem o ganhou com esforço, mas faço-o apenas porque é a única fresta que conheço do que é estar no "mundo dos adultos" e só posso falar do que sei um pouco pelo menos.

Peço desculpa porque sei, e é isso que me dá força ainda, que nem todos são assim.

Mas entristece-me esta falta de união no sector artístico. Não entendo. Sabendo que somos os primeiros a sofrer com os cortes de orçamento, não devíamos ser também os primeiros a unir-nos e a lutar pelo bem do palco? Pelo menos na minha cabeça de jovem utópica, é isso que me parece lógico. Já houve tempos economicamente bem difíceis (e tive a felicidade de nunca passar por eles) em que me contam histórias de que as pessoas se uniam, levavam projectos para a frente sabe-se lá como, e comiam arroz cozido... mas comiam juntos... e pelo que dizem pareciam ser mais felizes do que muitos agora.

Depois revolta-me... e aí revolta-me mesmo... esta escolha do mais fácil em vez da qualidade (ainda bem que há bastantes excepções)... ver "carinhas larocas" nos elencos e Actores com 50 anos de carreira a terem de se fazer à estrada... Com tanto bom Artista sem trabalho, não era de aparecer alguém que os juntasse e fizesse um espectáculo de arromba? O orçamento não é muito, mas o talento não paga imposto, pois não?

Todas estas tricas e mexericos e pessoas umas contra as outras... rebaixarem outros projectos, como se fizesse o deles melhor... Todo este negativismo... põem-me a pensar: "Mas ser adulto é assim? Merda! Não quero.". E depois... o facto de ser tão difícil "furar" isto. A idade é um posto... aprende-se TANTO com os mais velhos, meu deus... entristecem-me algumas reservas que tenho visto em passar conhecimento (mais uma vez constato com agrado excepções). Mas será que não entendem que os mais novos têm de aprender? É triste os grandes "monstros" (no bom sentido) do Teatro (e não falo só de actores, falo de técnicos, autores, encenadores, toda a equipa) não durem sempre, mas é a realidade. Para quê querer exclusividade? As coisas têm de seguir em frente, se querem que o Teatro continue, é preciso que os mais novos aprendam o quanto antes, mas que aprendam a sério.

Esta luta de pedra e cal pela exclusividade... será excesso de orgulho? Não sei.... Mas raio! Não percebo, que mal é que tem pedir, ou pelo menos aceitar, ajuda? Mas custa assim tanto as pessoas unirem-se? Caramba, estamos a falar de um bem maior... sempre me disseram que se deve trabalhar neste ramo para servir o palco... ou não é?

Pois é isso que está em causa... e se calhar muitas cabeças juntas moviam mais montanhas do que uma para cada lado... se são todos do TEATRO... se calhar estava na hora de embarcarem todos juntos no mesmo barco... pelo menos sempre havia mais força para remar!

Peço desculpa pelo desabafo... mas há coisas que quando ficam muito tempo cá dentro começam a fervilhar e a revoltar a sério. Eu não quero desistir disto, porque AMO mesmo. Mas assim também não é fácil tirar a ideia da cabeça, caramba! Comecei há tão pouco tempo e já vejo tudo assim? Se calhar devia era estar calada... mas paciência, não quero mais.

Se isto já é tão difícil pela forma como somos condicionados pelos factores externos todos, não era mais fácil... ou menos difícil, pelo menos... se internamente, enquanto sector, fossemos unidos? Se calhar tudo o que me ensinaram está mal, ou eu sou muito ingénua, ou é uma ilusão de criança... Não sei, mas assim prefiro não crescer muito mais.

Continuo, como já disse, pelo AMOR que tenho a isto, que torna ainda mais difícil desistir do que continuar, ainda que contra isto tudo... Às vezes penso "Mas porque raio é que não gosto antes de futebol?"... mas, sorte ou não, nada a fazer... e não quero mesmo deixar o Teatro, por muita comichão que isto tudo me cause... mas, sinceramente, podem-me achar criança com  todo o direito, gostava de ver isto melhorar um bocadinho!