A luminescência das águas
"A luminescência das águas não afasta a saudade da transversal falésia.
Quiçá me tenha traído a avidez em pernoitar nos umbrais desse naufrágio,
Mas poderei julgar-me culpada, se em verdade só quis padecer de amor?
Peguei pela mão o reflexo, prenúncio de romãs entre os escombros
E o superlativo fôlego revelou-se em negativos celofanes,
Difusos os contornos dos corpos na travessia insubmissa da consumação
E o sabor das bocas e dos astros e das esperanças diluídas num só gesto,
Essa eternidade que se resumia num ardente pavio a dispensar o amanhã.
Mas nem só dessa translúcida sede vivem os poetas e os loucos.
Não me resta sal nas lágrimas para a madrugada impoluta que se acendeu
E em cada grito sangra um lírio erguido à indelével renascença
Disseco o peito, inequívoco relento da torácica consciência
E sei-me florescente pérola de poética suficiência."
Inês Marto . 27/02/2023