Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

INÊS MARTO

INÊS MARTO

8º CNEC - O antídoto da saudade

               Liste dez coisas que faria se estivesse impedido de estar ou falar com alguém durante duas semanas. Depois escolha uma e explore-a. 

               Agora, logo agora, que depois de tanto tempo na sede do carinho, na ânsia do amor, no desespero descontrolado, na vontade galopante sem rédeas de ter alguém como tu, o destino nos tinha junto, num encontro perfeito, numa poética dança onde nos completávamos mútua e perfeitamente, tinhas de partir… Durante dez dolorosos dias não posso ver-te, não posso sentir-te, não posso ouvir-te nem ser ouvido por ti… O que fazer?

                O meu peito contorcia-se, esmagava-se, sufocava-se, se tal não tivesse já acontecido…

                Passaria os dias olhando para trás no tempo que corre em câmara lenta…

                Mergulharia em fotografias e bilhetinhos nossos…

                Continuaria sentindo saudade e tentando abstrair-me de esse algo que só teria fim quando voltasse a ter-te nos meus braços…

                Pensava em ti com toda a intensidade, com tanta convicção, com a esperança que esses pensamentos se tornassem átomos e te dessem vida aqui junto de mim…

                Tentava telepatia, mesmo não tendo a certeza se é real e se funciona, confortando a minha consciência por estar a fazer todos os possíveis para te ter o mais próximo de mim possível…

                Esperaria apático durante dias cinzentos sem fim como quem atravessa todo um oceano de um só fôlego…

                Tentaria adormecer na esperança que quando acordasse tivesse a certeza que isto se trata apenas de um pesadelo…

                Chorava na esperança que as minhas lágrimas, quando evaporassem, fossem reencarnar junto de ti, levando-te toda a minha saudade, dentro do meu próprio coração…

                E por fim olhava pela janela a lua e o sol, esperando que os nossos olhares se cruzassem lá em cima, dando-nos um reflexo desses espelhos das nossas almas…

 

                E se realmente pensasse em ti com toda a intensidade, com toda a convicção, abraçando-te todas as noites com a alma e segredando-te ao ouvido o quanto te amo, fechando os olhos e sentindo a brisa tocando-me o rosto como fazem os teus lábios de cetim, sentindo a luz do sol aquecer-me como faz esse bater ritmado de carinho que tem o teu peito, e se realmente te sentisse junto a mim através da natureza, do tudo, do nada, deste silêncio que é a saudade, se realmente fosses parte deste vazio que me habita por estares longe, e se não precisássemos de palavras nem de toques, nem de olhares, mesmo que fizessem falta estarias sempre aqui. Sobreviveríamos ao tempo, à distância e à saudade, e tratar-se-ia de algo chamado verdadeiro Amor…

8º CNEC - Professora Julieta

 Recorde o professor mais assustador que já tiveste. Depois imagine como seria um reencontro com ele.

                Professora Julieta, era o nome que ecoava e fazia toda a escola tremer, de olhar confiante, como se fosse impune a toda a atmosfera de alunos que segredavam à sua volta. À sua passagem, levantava-se um burburinho de miúdos ansiosos por saber quem era a mítica personagem maléfica de quem todos os alunos mais velhos falavam com tanto fervor.

                Uma alma parada na época salazarista, Julieta evocava ainda os princípios que regem um ensino autoritário, e fazia questão de os pôr em prática. Para os mais novos, permanecia o mistério de como podia alguém com fama de ser tão aterrorizadora continuar a trabalhar num estabelecimento de ensino nos dias de hoje sem nenhuma aparente complicação, mas os mais velhos, seus alunos, já há muito suspeitavam do seu romance e joguinhos eróticos com o director. Tinha o perfil de uma verdadeira dominante, e ocupava de uma forma bem marcada esse mesmo posto com os alunos, obrigando-os a ajoelhar-se perante si, se falhavam alguma resposta às suas perguntas cruelmente escolhidas com o intuito que isso mesmo acontecesse.

                Ao ajoelharem-se, olhando para ela de um plano mais baixo, conseguiam ver as marcas por baixo da roupa que sugeriam faixas como as que constituem os fatos de couro ou látex típico das dominantes. O director, por debaixo das camadas da sua autoridade, era na verdade um submisso, um cãozinho que se enrolava aos pés de Julieta, servindo-a, admirando-a, venerando-a como se de uma Deusa se tratasse.

Julieta era já, mesmo nas conversas que haviam passado de geração em geração, referida por todos como, desde que lembravam, uma senhora de alguma idade, mas nunca pensei que o bicho do tempo decidisse atacá-la tão voraz e rapidamente. Passaram apenas dez anos desde que deixei a escola, após concluir o décimo segundo ano, fui aluno dela no oitavo. Reencontrei-a há uns dias à saída do supermercado, e não me passava pela cabeça que se pudesse tratar dela.

Aproximou-se de mim com a cadeira-de-rodas a ranger e perguntou-me se era eu o Ricardo da turma de noventa e sete, respondi que sim, e quando distraidamente olhei para baixo, reconheci as suas botas de salto alto, de verniz preto reluzente, que tanto fazia questão de usar todas as quintas-feiras, dia da sua misteriosa “reunião” com o director. De cabelo cinzento já raro e mãos trémulas perguntou-me onde trabalhava e como estava a vida, era notória a sua metamorfose…

8º CNEC - Menino da rua

 
Escreva sobre um coração que era impossível parar de bater.

Menino reguila, criança inocente,Menino mendigo, menino carente,Menino sozinho que chora ao luar,Menino poeta das ruas sem par.

Menino criança,Menino sonhador,Menino com esperança,Menino amor.

Menino que luta, e que não desiste,Menino que brilha, menino persiste,Menino herói, menino corajoso,Menino com garra, menino amoroso.

Filho do mundo, menino feliz,Menino vagabundo, o pobre petiz,Menino de fé e coração alado,Menino de fisga e boné ao lado.

Menino que treme num beco escondido,Menino com fome, menino perdido,Menino que conta histórias ao luar,Menino carente, menino sem lar.

Menino de sonhos que sabe voar,Menino que é filho do céu e do mar.Menino com frio, que pede esmola,Menino que aprendeu com a vida as lições da escola.

Menino com medo, menino solidão,Menino guerreiro, imparável coração.Menino do mundo, que a rua destrói,Eterna criança, menino herói.

Menino morreu, à chuva e ao vento,Menino especial, menino talento.Menino poeta, que contava histórias,Menino da vida, menino de glórias.

Menino esquecido, menino sem nome,Que contava às estrelas que passava fome.Menino guerreiro, que o vento levou,Menino amor, que a vida apagou.Menino tesouro, menino lição,Sem tecto, sem casa, mas com coração.

8º CNEC - Partiu-se a bola de cristal

 Escreva uma história que anule completamente o velho provérbio: “quem te avisa, teu amigo é”.

Ai como a vida é um mundo de faz de conta Cristina… doce e inocente Cristina… vivias na tua bolinha de cristal, alheia a tudo e a todos, feliz no teu mundinho de fadas… frágeis e carentes, tal como tu, com aquelas vozinhas cristalinas que apenas tu ouvias e que te compensavam a falta de alguém…Fora do mundinho de purpurinas, tinhas o Fábio, teu companheiro de loucura… longas tardes no sufocante manto branco do hospício. Todas as palavras eram poucas, todo o carinho se evaporava caindo no poço sem fundo que é a tua carência. E ele passava vazias e longas horas que pareciam recuar e voltar a repetir-se - tão monótonas como esse bater que tinha o teu coração - à espera de um sorriso, de um olhar, de um movimento, de um rasgo de lucidez do irmão em que por segundos viesse à superfície desse mar turvo da insanidade já entranhada na pele. Tal nunca acontecia… e ele desesperava…Foi quando se conheceram, estavas em recuperação – dizias – enganavas todos tão bem, habituada a esse faz de conta quotidiano, que até os médicos acreditavam na tua miraculosa cura.Apaixonaram-se? Sabias lá o que era amor! Aproveitaste-te do pobre rapaz desesperado, sedento de compreensão, e usaste-o para preencher esse desejo maníaco de amor incondicional. Vítima desse mundo, das garras dessas fadas maléficas da tua loucura, acreditou amar-te, por necessidade de ambos. Era tudo mentira… tudo fantoches, controlados pela tua negra mente.Eu sim, amava-o! Estive sempre ao lado dele… mas ele apenas me via como uma amiga, uma âncora, nada mais. E depois de tanto tempo, de tantas vezes vê-lo afundar-se e ir buscá-lo ao fundo, perdi-o para uma louca!Doce e inocente Cristina… sabias tão bem como eu, ou mesmo melhor, que o Fábio merecia bem mais que um farrapo imundo como tu… Pintavas por cima camadas de tinta para esconder as rachas nas paredes da tua alma, mas que no fundo continuavam lá. O Fábio merecia uma mulher independente e forte, que estivesse lá para o acarinhar, e não de ter que ir tomar conta das tuas fadinhas!Disse-te que era tua amiga, que estava lá para te apoiar e que contasses sempre comigo, e tu carente como um cãozinho, enrolaste-te aos meus pés. Partiu-se a tua bola de cristal entre os meus dentes… e agora: the show must go on. Descansa em paz, junto das fadinhas…

8º CNEC - Uma noite inesperada

 Um erro informático faz com que cerca de 400 pessoas ficam presas num pequeno departamento de uma empresa. Só há uma pequena máquina de snack e bebida.

Manuel estava desejoso de voltar a casa. Naquele dia, as horas pareciam passar mais devagar do que nunca, mas finalmente havia chegado o momento, tinha apenas de chegar ao carro e ir directamente a casa, veloz como uma seta. Sabia que a mulher e as filhas não iam, de forma alguma, esquecer-se do seu aniversário. E se ainda não lhe tinham dado os parabéns, era porque tinham alguma na manga. Adorava aquela sensação de ter tanta gente a pensar nele, como que sentia o cérebro vibrar, e quase podia ouvir os pedidos dos familiares e amigos: “Demora só mais um bocadinho, falta dar os últimos retoques e acender as velas”.Nisto, apercebeu-se que as portas de abertura automática não estavam a funcionar. Chamou os colegas do departamento e a situação confirmou-se. Devido à maré de assaltos do ano passado, as portas eram agora feitas de vidro inquebrável. Tratando-se muito provavelmente de um erro informático, sabiam que iam ficar ali presos até ao dia seguinte, quando os colegas dos outros departamentos regressassem ao trabalho. Apressaram-se a avisar os familiares, mas depressa a preocupação deu lugar ao tédio. Já que tinham que passar o tempo juntos, que o fizessem da melhor maneira. Sabrina, a colega de cubículo de Manuel sabia que se tratava do seu aniversário e depressa se lembrou de avisar o departamento.Quando Manuel deu por si, haviam efectuado uma videoconferência com a sua família e amigos que estavam reunidos à volta de um enorme bolo n local da festa surpresa, da qual ele já suspeitava. Havia música nos computadores e pequenos chocolates e refrigerantes da única máquina de snacks à disposição. Os cerca de quatrocentos empregados do departamento de marketing estavam bastante divertidos para uma festa improvisada.Houve direito a filmes de terror pirateados, karaokes, música, fotografias da rambóia e, claro, não podia faltar um “Verdade ou consequência” para apimentar a coisa. Só não houve o champanhe, mas o brinde foi feito pelo écran.No final, o que parecia vir a ser uma noite de tédio e desilusão para o Manuel, tornou-se numa mega party de quatrocentas pessoas com “Rock n’Roll all night!”

8º CNEC - Comprimidos Criativum

   Pense num produto sem o qual não poderia viver. Agora imagine que a marca anunciou que o vai tirar, em breve, do mercado. Escreva para a empresa a tentar demovê-los dessa decisão.

Exmo. Director do “Universo & Arredores, Lda.”

Eis que me chegou a informação que vão ser retirados do Mercado da Alma os comprimidos Criativum, produzidos exclusivamente pela sua marca. Escrevo a presente carta para demonstrar o meu desagrado face à situação referida. O senhor com certeza tem conhecimento da dependência que provocam esses comprimidos no organismo dos consumidores, especialmente dos jovens aspirantes a escritores. Tendo atingido resultados tão inesperados no campo da escrita devido à estrutura tetraédrica das moléculas de criatividade presentes nos seus comprimidos, sinto-me dependente deles para continuar a melhorar a minha escrita, como seria de esperar.A minha auto-estima é baixa, portanto não gosto de me gabar, mas o que me têm dito é que até tenho jeito para esta coisa da escrita. Agora imagine que retira os comprimidos: iria diminuir substancialmente a minha criatividade, logo perder-se-ia uma possível futura escritora, escritora essa que as pessoas me parecem gostar. Ora quando a população descobrisse tal feito - sim porque eu não tenciono ficar calada caso o senhor e a sua empresa não demovam a vossa decisão, sou pequena mas sou perigosa! – ficaria indignada, com toda a razão (modéstia à parte). E certamente que uma empresa desse calibre dispensa uma multidão revoltada, não concorda?Tudo isto já me parece ser motivo suficiente para o senhor reconsiderar a sua decisão, mas talvez seja ainda conveniente falar de todas as convulsões e outros efeitos secundários prejudiciais à minha saúde, por falta de criatividade no sangue. Além do mais, preciso de mais doze comprimidos para poder acabar com sucesso o Campeonato Nacional de Escrita Criativa, no qual estou de momento a participar. Devo referir que, devido à possível remoção dos comprimidos do Mercado da Alma, senti-me forçada a poupar o último comprimido do qual dispunha para poder escrever esta mesma carta – sim, não é por acaso que tenho tantos argumentos – o que me fez ficar durante quatro dias sem comprimidos, consequentemente, nos últimos dias, tenho experienciado acções repetitivas, tais como jogar basquete com folhas amarrotadas… e os calos no dedo tiraram férias por ausência da caneta – coisa que não me agrada por esta altura do Campeonato!Espero que o facto de ter gasto nisto o meu último comprimido tenha servido para alguma coisa. Até porque o efeito começa a passar e as palavras já se recusam a sair à rua…

Encarecidamente,

Espelho das Palavras, 24 de Julho de 2011Inês Marto

7º CNEC - Rodopios da vida

 *Um homem esbarra contra uma antiga namorada. Ao seu lado está a sua actual mulher, grávida, e duas filhas pequenas. E ele sempre dissera à sua ex que não era o tipo de homem que iria casar e ter filhos. O que acontecerá?*

Passeava na rua, sentindo as pedras da calçada à medida que os pensamentos me levavam a um destino mais distante… pouco a pouco, a voz das miúdas foi ficando mais e mais baixa… deixei de sentir a mão da minha mulher que caminhava a meu lado, comecei a ouvir a voz da mente que pintava aos poucos manchas de um doce som – o dia tinha sido brindado por um Sol sorridente e eu aproveitava fazendo uma visita ao lugar onde o meu eu existe em liberdade. E a doce melodia transportava-me para um estado pleno que me enchia o peito de emoções.De súbito, tudo desvaneceu, apagaram-se as manchas e calou-se o som num silêncio mudo que me ensurdeceu os sentidos. Atónito, deparo-me, numa realidade ainda difusa, com a minha ex-namorada… ou seria outra memória onde continuava a viajar? Num esforço por tornar à realidade recta, balbuciei o que a mim que soou a um bando de sons primitivos incompreensíveis, mas que no entanto obtiveram resposta… E conversámos e saboreámos o som das palavras e imaginámos como seria a vida com todos os “ses” transformados em “sims” e em “nãos”… e apercebemo-nos daquilo que mudou e do que permaneceu e do que o vento levou e das marcas que deixámos um ao outro. Em pouco tempo de conversa viajámos ao passado e ao futuro intermitente e relembrámos momentos e histórias e mergulhámos em memórias sem sequer nos apercebermos… E olhámos de relance para as danças envoltas na poeira do passado… Sim, conhecê-la foi uma dança… E aprendi com ela a ver a vida como um misto de compassos artísticos…E realmente num espaço de poucos anos, ao ritmo de um quickstep com um cheirinho a tango, tudo tinha mudado, conheci a Mafalda em rodopios da vida, mordi a rosa vermelha num tom de sedução e entre passos a dois dançámos o tango do amor. Despertou nela o desejo de ser olhada por olhos de uma criança, e a partir daí as danças foram outras: Nasceu a Sofia há 7 anos, lembro-me como se fosse ontem… Dois anos mais tarde, o desejo voltou a bater à porta… nove meses de compasso e veio ao mundo a Raquel… Este ano, em Fevereiro quisemos dançar o tango mais uma vez, vem a caminho o Guilherme.O palco da vida encarregou-se de mudar de bailarinos, mas eterna será sempre a memória dos nossos aplausos…

7º CNEC - Documentos enigmáticos

 *Uma secretária tem uma forma muito especial de classificar e organizar as suas pastas e documentos. Qual é essa forma? E o que provoca isso?*

Mais um dia no escritório. Dr. Noronha, o chefe, tinha acabado de telefonar à secretária pedindo que lhe levasse ao gabinete a pasta com os documentos do novo cliente da empresa.- Excelente oportunidade – pensou a secretária. Referia-se, claro, a poder demonstrar novamente a sua paixão secreta pelo Dr. Noronha, montando mais um dos seus esquemas mirabolantes para mandar “bilhetinhos amorosos” ao chefe sem que mais ninguém desse por isso. De certo modo ela sabia que o Dr. admirava esse seu lado enigmático, embora não o demonstrasse.Começou então a organizar cuidadosamente os documentos. Era o momento certo, sentia-o nas veias. Ia declarar-se.Há tantos anos na gerência da empresa, o Dr. não ia, certamente, sentir-se atrapalhado pela falta de uma mísera letra aqui e acolá, e o mais certo era o cliente nem reparar… afinal de contas, eram apenas letras numa pesada pasta a abarrotar de folhas. Sendo ela fiel secretária do Dr. Noronha, Glória sabia muito bem, no meio de toda a burocracia típica, quais as páginas a que o Dr. iria ter mais atenção - eram essas as presas a atacar.Então, pegou na sua preciosa ferramenta de trabalho: o brilho metálico das lâminas da tesoura reflectia o sorriso nervoso que lhe proporcionava toda a situação, à medida que, cuidadosamente e com a perícia de um cirurgião, recortava por ordem as letras que, após o remexer das engrenagens na cabeça do Dr. Noronha, iriam clarificar a seguinte mensagem:, “Após tantas mensagens escondidas, de certo já se apercebeu do carinho especial que nutro por si. A verdade é que o amo.”O telefone tocou novamente, era o chefe a pedir que Glória se despachasse. Com a ânsia do momento, Glória estava a demorar mais que o habitual, o que dava ao Dr. a certeza que estava a engendrar mais um dos seus esquemas, deixando-o secretamente animado.Glória apressou-se e levou a pasta ao gabinete. O Dr. recebeu-a com a mesma expressão fria do costume, disfarçando o nervoso miudinho que ia crescendo à medida que abria a pasta. Glória saiu e dirigiu-se ao seu posto, ficando a contar os minutos, ansiosamente.Assim que o cliente saiu, o Dr. começou a juntar as letras uma a uma. Quando chegou ao resultado, chamou Glória ao gabinete. Ao reparar que não levava nenhuma pasta na mão, toda a empresa ficou num leve burburinho.

7º CNEC - Uma carta ao passado

*Escreva uma carta à criança de 10 anos que, um dia, já foi. *

Fátima, 15 de Julho de 2011

Querida Inês,Tens apenas dez anos, mas bem sei que a tua verdadeira idade não é essa. Por um acaso que agora te pode parecer infeliz, mas que mais tarde compreenderás que não é tanto assim, a vida fez-te crescer depressa demais. Agora, encontras-te deitada na mesma cama, nessa onde tantas vezes ficam as tuas lágrimas, mas onde te deixas também voar pelos sonhos de uma criança, inocentes… não tão inocentes como os dos outros miúdos da tua idade, eu sei, mas irás aprender a reconhecer isso como uma vantagem. Passaram apenas cinco anos, acreditas? E nesta correria louca do tempo, consegui aprender tanta coisa… e ainda assim sinto essa nuvem de inexperiência que às vezes te assombra. Mas não te preocupes, isso faz parte da vida: cair e aprender, se for preciso duas, três vezes, cem vezes, mas um dia chegaremos lá, o que interessa é continuarmos a tentar, as duas, juntas.Escrevo-te agora porque me lembro dessa fase complicada que estás a passar. Acredita em mim, Princesa, não estás sozinha, nunca vais estar. Essa voz dentro de ti, far-te-á sempre companhia. Quando te sentires preparada, experimenta: fecha os olhos e não penses em nada - eu sei que é difícil, continua a ser, mas com treino tu consegues – vais ouvir uma voz… chama-se Alma, foi a maior lição que aprendi até hoje: saber escutá-la. É uma amiga para a vida.Entendo que às vezes te apetece desaparecer e acabar com tudo, mas Princesa, eu sei o que te digo: uma das mais belas coisas que tem a vida é a sensação de ultrapassar os obstáculos mais difíceis… eu sei que achas injusto teres passado por tanto e saberes que vais passar por muito mais, mas vou-te contar um segredo só nosso: Se fosses igual a todos os outros meninos e não tivesses que lutar por cada passo que dás, a vida era demasiado fácil para ti. O tempo vai-se encarregar de te ensinar isso, vais ver.Trago-te boas notícias: brevemente vais ver na televisão algo que vai mudar a tua vida e o vento vai trazer-te uma amizade única, que te vai dar muita força, mas isso terás de descobrir sozinha.Princesa, agora o importante é continuar a tentar, podes cair muitas vezes, mas se não continuares a tentar, é certo que não vais sair do chão.

Luta sempre!Amo-te,Inês

7º CNEC - Um mundo perfeito

 *Descreva um mundo perfeito*

Perfeição. Que palavra é esta que soa tão doce ao olhar e erradia por todos os poros perfume para os ouvidos do Homem? Que desde o início dos tempos nele desperta um furacão de ideais, de sonhos? Qual estranha melodia que estremece e lhe ecoa nos sentidos, gerando uma poderosa atmosfera de autoconfiança que o torna, na sua mente, capaz de virar o mundo ao contrário, de um só esforço, e torná-lo um mundo perfeito:

Um mundo de memórias entre, bolas de sabãoOnde não existe fome, dor, guerra,Onde a diferença se une e, todos iguais, dão a mão,Um lugar onde o amor torna Paraíso a Terra.

Um mundo de sonhos,Sem política ou religião,Com regras, com crenças,E em vez de países, uma família, uma nação.

Lugar perfeito seria uma tela de emoções,Poema rimando versos, odes à gente de mãos dadas,Um misto de melodias, ritmo dos corações,Palco de reais fantasias, em danças sem fim dançadas.

Não haveria racismo, pobreza, violaçõesTrabalho infantil, escravatura, excisões,Violência doméstica, desrespeito dos direitosEram palavras esquecidas, do tempo dos imperfeitos.Nesse mundo de encantar, não havia criminalidade,Não existiam bolsas, dívidas, economia,Era constante a saúde,E em vez de abandonadas, as pessoas de idadeEram consideradas ícones da sabedoria,Respeitadas pela juventude.

As pessoas trabalhavam para bem da humanidadeE não por obrigação,Dando o Estado lugar à comunidadeE o desemprego à união.

O espelho das águas revelaA beleza de um mundo limpo,A magia de cada estrelaQue ostenta o monte Olimpo.

O mundo em que vivemos tornar-se-ia perfeito,O lugar triste e cinzento ganhava a cor da perfeição,Se a mente de todos se juntasse ao coração,E ouvíssemos palpitar a voz de dentro do peito.