8º CNEC - Professora Julieta

Professora Julieta, era o nome que ecoava e fazia toda a escola tremer, de olhar confiante, como se fosse impune a toda a atmosfera de alunos que segredavam à sua volta. À sua passagem, levantava-se um burburinho de miúdos ansiosos por saber quem era a mítica personagem maléfica de quem todos os alunos mais velhos falavam com tanto fervor.
Uma alma parada na época salazarista, Julieta evocava ainda os princípios que regem um ensino autoritário, e fazia questão de os pôr em prática. Para os mais novos, permanecia o mistério de como podia alguém com fama de ser tão aterrorizadora continuar a trabalhar num estabelecimento de ensino nos dias de hoje sem nenhuma aparente complicação, mas os mais velhos, seus alunos, já há muito suspeitavam do seu romance e joguinhos eróticos com o director. Tinha o perfil de uma verdadeira dominante, e ocupava de uma forma bem marcada esse mesmo posto com os alunos, obrigando-os a ajoelhar-se perante si, se falhavam alguma resposta às suas perguntas cruelmente escolhidas com o intuito que isso mesmo acontecesse.
Ao ajoelharem-se, olhando para ela de um plano mais baixo, conseguiam ver as marcas por baixo da roupa que sugeriam faixas como as que constituem os fatos de couro ou látex típico das dominantes. O director, por debaixo das camadas da sua autoridade, era na verdade um submisso, um cãozinho que se enrolava aos pés de Julieta, servindo-a, admirando-a, venerando-a como se de uma Deusa se tratasse.
Julieta era já, mesmo nas conversas que haviam passado de geração em geração, referida por todos como, desde que lembravam, uma senhora de alguma idade, mas nunca pensei que o bicho do tempo decidisse atacá-la tão voraz e rapidamente. Passaram apenas dez anos desde que deixei a escola, após concluir o décimo segundo ano, fui aluno dela no oitavo. Reencontrei-a há uns dias à saída do supermercado, e não me passava pela cabeça que se pudesse tratar dela.
Aproximou-se de mim com a cadeira-de-rodas a ranger e perguntou-me se era eu o Ricardo da turma de noventa e sete, respondi que sim, e quando distraidamente olhei para baixo, reconheci as suas botas de salto alto, de verniz preto reluzente, que tanto fazia questão de usar todas as quintas-feiras, dia da sua misteriosa “reunião” com o director. De cabelo cinzento já raro e mãos trémulas perguntou-me onde trabalhava e como estava a vida, era notória a sua metamorfose…