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INÊS MARTO

INÊS MARTO

LIVROS À VENDA:

Neutralidade legitima opressão

"A mim o que me apaixona é a inteligência: intelectual, emocional, intuitiva, humana, mística, existencial.

Só que a inteligência é inerentemente reivindicativa e posicionada. A inteligência não é capaz de se adormecer nem de se cegar a si mesma, para compactuar com os lugares de conforto.

Essa mesmice que vai no mundo é um sufoco.

A quantidade de pessoas que encolhem os ombros perante as injustiças diárias que presenciam é aterradora. Alegam neutralidade, esquecendo-se, ou não se querendo lembrar, que essa passividade, não contrapondo o opressor, é complacente com ele e legitima-o.

Não, não é possível estar do lado das vítimas enquanto se bebe chá com quem as põe nesse lugar.

É essa cobardia que, sendo assustadoramente substancial, passa impávida e serena pela falta de humanidade que existe neste mundo e lhe permite continuar a existir.

O sistema começa no indivíduo. O colectivo é simultâneamente reflexo e reflector do individual. Cada vez que fecham os olhos às opressões do dia-a-dia, vocês são cúmplices.

Leiam outra vez: Vocês. São. Cúmplices.

A neutralidade face à opressão é um pano roto que a cobardia inventou para se tapar. E não são os likes nem as partilhas dos posts que vos absolvem a consciência, esse é outro pano roto.

Antes que deixem de me ler aqueles que se assustam ou se entediam com a política, este texto não é sobre política, é sobre humanismo. Se política e humanismo não são a mesma coisa, talvez o problema comece por aí.

O sistema vigente, superlativo e intocável, é uma tortura diária. A vigência supremacista do enraizado normativo, patriarcal, misógino, cishetero, capacitista, racista, conservador e classicista - não é opinião nem é política, é matança - também é culpa da vossa tão querida e confortável neutralidade.

Só não sei se é falta de inteligência, ou recusa consciente da mesma.

Seja como for, deixei de ter tempo e espaço na vida para outra coisa que não o amor."

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#humanismo #opressão #neutralidade #política #opression #neutrality #politics #violence #direitosiguais #lgbtqiaplus #lgbtcommunity #deficiencia #disability #igualdade #equalrights #equality #racism #racismo #sexismo #sexism #capacitismo #ableism #humanidade

Há que ruir a supremacia cisheteronormativa!

A invisibilização da comunidade LGBTQIA+, das pessoas com deficiência, das pessoas racializadas, é propositada, sim!

A desigualdade de oportunidades é propositada, sim!

A inclusão ainda é uma bandeira que o sistema cisheteronormativo, misógino e patriarcal levanta quando lhe convém ficar bonito ou ser mais exótico.

O reconhecimento da pluralidade ameaça-lhes os alicerces bafientos das estruturas de poder.

A nossa luta só acaba quando ruir a supremacia!

Enquanto este povo não tirar o pó aos cantos do cérebro (sim, quadrado) e tiver até um certo orgulho na pequenez de espírito, será assim.

Há que contrariar esta invisibilização propositada na sociedade em geral, que é tristemente tão eficaz que, até muitas vezes dentro da(s) comunidade(s), se torna difícil descobrirmo-nos umes aes outres. Isso precisa de mudar.

Quanto mais nos tentarem apagar sistemática e sistemicamente, mais teremos de nos fazer ouvir, ver, ler, reconhecer e ocupar. Queiram ou não queiram.

Um dia, não serão mais eles, os opressores, a ter poder de escolha sobre a nossa existência. E o quanto lhes dói o medo desse dia... É por isso que se incomodam tanto.

Pontapé na porta. O mundo não se fez aos quadrados, (não) temos pena.

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#representatividade #direitosiguais #deixemnosexistir #lgbt #lgbtqia #lgbtqiaplus #lgbtcommunity #lgbtqiapride #deficiencia #disability #igualdade #equalrights #equality

A luminescência das águas

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"A luminescência das águas não afasta a saudade da transversal falésia.
Quiçá me tenha traído a avidez em pernoitar nos umbrais desse naufrágio,
Mas poderei julgar-me culpada, se em verdade só quis padecer de amor?
Peguei pela mão o reflexo, prenúncio de romãs entre os escombros
E o superlativo fôlego revelou-se em negativos celofanes,
Difusos os contornos dos corpos na travessia insubmissa da consumação
E o sabor das bocas e dos astros e das esperanças diluídas num só gesto,
Essa eternidade que se resumia num ardente pavio a dispensar o amanhã.
Mas nem só dessa translúcida sede vivem os poetas e os loucos.
Não me resta sal nas lágrimas para a madrugada impoluta que se acendeu
E em cada grito sangra um lírio erguido à indelével renascença
Disseco o peito, inequívoco relento da torácica consciência
E sei-me florescente pérola de poética suficiência."

Inês Marto . 27/02/2023

Não há fôlego que nos salve

Citação Frase Papel Kraft Instagram Post.png

 

Hoje escrevo para ti,

como não fazia há

tanto

tempo

na impossibilidade de afogar em nova esperança

o que podia ser feito de nós

Digo-te que senti

Que sinto

Sinto tanto a tua falta,

Fundem-se as tuas lágrimas nas minhas e

não há fô-

lego

que nos salve

do que de ti me ficou impresso no corpo

Não há pontos

finais

as palavras não fazem

sentido algum

ou talvez sim

talvez o sentido seja

o sonho

que é como dizer, talvez o sentido sejas

tu

ou o que de ti eu resto

Alquimia de tinta

reencontro

nesses laivos de poema

onde te abraço

sem tempo

Vem, fica, hoje não quero acordar…

MANIFESTO DA COSMOLOGIA ARTÍSTICA

 

 

Frase Motivacional Minimalista Caminho Post para I

 

 

I – Não matarás a fogueira da criação:
Flui na vida como na arte, pois só assim serás realmente livre – na cognisciência de que a verdade (tanto da vida como da arte) é uma órbita de percepção onde desvendas a coreografia (metafórica e metamórfica) da consciência.

II – Não renunciarás à expansão da consciência:
Alcança a transcendência do teu horizonte, pois só assim saberás que a única verdade imutável é aquela de onde assistes à multiplicidade (individual e social) com a naturalidade astral que te caracteriza.

III – Não temerás a vulnerabilidade:
Compromete-te à permeável densidade emocional, pois só assim ultrapassarás os desafios exactos e vitais – quer na concretização das tuas vitórias (desvendadas na superlativa ocorrência da arte); quer na aprendizagem das tuas derrotas (decalcadas na instintiva lógica da sobrevivência).

IV – Não te castrarás:
Entrega-te ao improviso que a intuição impele, pois só nessa vertigem te libertarás – é quando deixas de temer o precipício que te rendes à inevitável paisagem – Eros e Thanatos são contrastes fulcrais à apoteótica encarnação da vida.

V – Não sucumbirás à incerteza:
Concretiza-te nos palcos onde o futuro reverbera, pois só na autêntica cadência a ti cosmicamente designada te encontrarás – o teu propósito assenta na transmissão (através da arte através de ti que lhe és espelho) da vida no expoente em que a sentes. A arte e consumar-te-á. A intrínseca mensagem persistirá. Ecoará em cada suplantação da consciência, em cada interseccional inscrição na circular ascensão universal da consciência.


Inês Marto * 16/06/2022

Perséfone confessada

 

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Perséfone de tão ambígua eu me confesso, na transparência das águas onde me refiz matéria.

Reconstruo-me novo nada, se nada fui ou serei.

Gota. Mera. Existência. Onda. Magnética. Astral. Ínfima na superlativa semente geométrica que se designa sapiência perpétua.

Feita dos meus próprios falsos passos e fracassos, entre os dedos junto os cacos com que adorno o mero corpo, invólucro de perceptivar instantes.

Dou-lhes até de bandeja dourada as farpas com que me hão-de cobrir a estrada. Eu que não temo o sangue nem o negro. Eu que abro as próprias feridas com mãos ambas e as disseco, e lhes deito sal, e lhes cuspo, e as mordo e saboreio, derradeira desconstrução, ascendo no rastejar.

É o lodo até à boca que me torna a coroar, sobrevivente da minha própria existência. Sem fôlego ainda, grito-o em espasmo de escrita aos sete lírios do além. E abro as palmas das mãos, no fim do fio da navalha, como quem, ainda que derrubada, torna instalação e arte a sua própria batalha.

Forro-lhes a talha dourada, sem subterfúgio ou lamento, a espada que me hão-de erguer à cabeça, ciente, cúmulo transparente, terra e semente, disforme, borboleta divergente, num púlpito de existência.

Afio-lhes com os meus próprios dentes a faca com que me querem purgar dos defeitos que eles acham que são defeitos. Inerte, desfio o rol de fraquezas, mostro a carne até ao avesso das minhas feridas. Até lhes marco os alvos onde hão-de cravar a superficial ira da pequenez.

Sou-lhes banquete e alimento, de mão beijada, bandeja dada, no altar assumido das fraquezas com que enlaço a minha coroa de flores e morte. Esperançosa. Aguardo que a covardia do ataque faça uso meu mais pútrido e deplorável, já assinalado a giz.

 E no final, sou gargalhada. Nem mesmo inerte, nem dissecada, nem mesmo de bandeja dada, carne aberta à destruição guiada. Nem com convite selado me sabem tirar a estrada.

Caio, objecto, repugnante, inanimada, deixo que se deliciem com a aparente conquista. E Perséfone confessada, sou curva na estrada, sigo rumo ao horizonte que a pequenez não avista.

Simão/Symone: "Gosto de cantar a solidão, ela gosta de mim, somos um par perfeito"

Fotografia: Miguel Prata

Simão Telles é também Symone de Lá Dragma. Já foi concorrente do programa The Voice, RTP.  Cantor. Intérprete. Transformista. Sonhador assumido. E, acima de tudo, uma força na luta pela igualdade. Nesta entrevista, abre-nos as portas ao seu mundo.

 

Inês Marto: Simão, comecemos por contar quem és.
Simão Telles: Olá querida Inês, olá a todos queridos leitores, o meu nome é Simão Telles, tenho 21 anos nasci no dia 27/06/1997 sou caranguejo, apaixonado, sensível amante de quem me é coração, das artes, dos poetas e de Portugal.

 

A tua profundidade é rara. Sentes que vens de outro tempo? Fala-me do teu mundo.
Sabes, há dias que penso que venho de outro tempo, de já há muitos anos atrás. E tenho dias que penso que venho do amanhã, do futuro, que estou a milhas de luz dos outros seres humanos. Para não me baralhar, e não baralhar os outros, prefiro dizer que nasci onde nasci, onde tinha de nascer, com a vontade de relembrar o passado para no futuro não ser esquecido.
O meu Mundo está e foi construído pelas feridas que a sociedade me foi impondo ao longo dos anos. As palavras machucam e doem, muitas vezes doem mais que um simples estalo. O meu mundo é a minha defesa, comecei por construí-lo no Cabaret (Bob Fosse / Liza Minnelli) aos 7/8 anos de idade e hoje acabo, já mais maduro, nas referências mais poéticas portuguesas.

 

A tua formação é de actor. Um dos teus sonhos é o Sunset Boulevard. Tens paixões inúmeras (Simone de Oliveira, Judy Garland, Dalida, etc). Há um padrão sobre o tipo de mulheres que te fascinam?
Sim, há. A mulher fatal. A mulher história, solidão, com força, garra, destruída mas amada.
A referência feminina, ao longo dos anos em que fui crescendo, deu-me gozo de ver. Quando falo em gozo, falo em prazer, falo em fascínio, o corpo da mulher é belo, o gesto singular da mulher é belo.
E depois lá está, cada referência tem o seu ponto de partida, a sua característica, mas todas elas, essas figuras que me atraem, têm algo em comum, todas fizeram a solidão a tristeza e a dor, arte!
O momento da minha vida em que eu acho que me apaixonei pela mulher foi quando ouvi o Somewhere Over the Rainbow, da Judy Garland, de um concerto que ela fez no fim de carreira, no Carnegie Hall. Foi aí que senti que aquilo era mais que uma canção, era mais que uma dor ou uma letra, era a arte. E acima de tudo era um pedido de ajuda, tão certo mas tão mal entendido.

 

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Existem fronteiras claras entre o Simão e a Symone, ou é outro lado de ti? Como é que surgiu?
Penso que quando me fazem este tipo de pergunta que estão à espera de uma resposta oposta aquilo que costumo dizer. Mas não, somos iguais, um usa peruca, outro usa o cabelo à “Vera Lagoa”, é a única coisa que nos diferencia.
Sim, a Symone é a minha plataforma, é a minha voz, nunca em Simão eu faria metade do que a Symone faz, sou uma pessoa muito calma, pacata, tímida, medrosa. Se parecer ou vos der a dar entender o contrário isso é apenas a carapaça, chama-se protecção pessoal. Os meus amigos estão escolhidos a dedo, nos dez dedos da minha mão ainda ficam alguns livres, sou peculiar, e exigente para com quem me rodeia, gosto de pessoas.
Gosto de um abraço, de um beijo apertado! Não sou do snobismo do aperto de mão, não sou rainha, sou pessoa.
Se pudesse, seria mais Symone, infelizmente não me deixam.

 

 

A tua presença tem um poder extraordinário de disrupção. Quer sobre a homofobia, quer sobre o binarismo de género, quer sobre a ditadura da imagem. És uma inspiração e um exemplo para a sociedade. E a ti, quem te inspira e te dá forças?
Desde já, obrigado pelo rasgado elogio. Fico lisonjeado quando fico a saber que tenho pessoas que admiram o meu trabalho e que entendem tão bem a minha mensagem. Fico feliz em saber que alguma coisa eu já fiz. Mesmo tentando, vou conseguindo.
Tudo me inspira sabes, as pessoas inspiram-me, a vizinha do lado inspira-me, e não necessita de ter uma história pós-dramática em morte. Basta ela fumar e já ser “antiga” que isso me inspira. O riso e o choro das pessoas inspiram-me.
Os poetas, aí esses loucos libertinos, o Ary, a Natália, o Eugénio de Andrade ... os músicos, a Simone ... a minha e de todos, Simone (que até hoje penso que foi quem me deu ao mundo do espectáculo, o conhecer de coisas tão belas como é a música ligeira portuguesa, o cheiro da vida, e a amargura de viver).

 

Também tens um lado negro, que te dá outra densidade. Por um lado é destrutivo, por outro é uma mina enquanto arte. Queres falar sobre essa dualidade?
Tudo o que canto é “gritado”, chorado, interpretado, é dor! Eu canto para pedir ajuda, o meu lado negro são as minhas dores, os meus pesares, as minhas amarguras, que ao cantar as espanto, mas que quando me deito na cama, voltam, pois sem essa escuridão tão poética, eu, Simão ou Symone, nunca iria conseguir viver bem, nunca seria o artista que gosto de ser. Eu gosto de cantar a solidão, ela gosta de mim, somos um par perfeito. Que hei-de eu fazer?

 

Neste momento quais são os teus maiores objectivos? Há projectos novos em mãos?
Neste momento, estou a passar por uma fase da minha vida em que quero tratar da minha saúde e de mim, vou submeter-me a uma cirurgia. Como não tenho trabalho na área do espectáculo vou propôr-me a esta nova fase da minha vida, para mudar de hábitos e tentar ficar ou ser uma pessoa melhor e mais saudável.
Agora um maior objectivo? Sunset Boulevard, é um grande sonho meu poder interpretar o papel de Norma Desmond, na versão musical adaptada por Andrew Lloyd Webber. Tudo é perfeito - roteiro, letras, cenários, figurinos. (Uma curiosidade - Norma Desmond foi o papel de sonho da Simone De Oliveira, que ela nunca teve oportunidade de interpretar.).

Imagina que tinhas oportunidade de ser ouvido pelo mundo inteiro. Que mensagem gostavas de deixar?
Amar. Amor. Amar e amar e mais amar.
Era o que eu gostava que todos nós fizéssemos, amar o próximo, dizer não ao ódio, regularizar e manter a paz serena.
Mais uma vez amar, compreender. Nada é fácil, mas também só se torna impossível se assim o quisermos. Eu estou aqui. Nunca pensei estar. Quero mais? Quero! Vivo para isso, tento viver. Desistir? NUNCA!

 

Obrigado Inês pela maravilhosa e confortável amigável entrevista.
Tudo de bom para ti e para o teu futuro.
Muita sorte para as vendas do teu novo livro, que eu espero que seja, e será, um grande sucesso! ❤️
Do teu queridx Simão/Symone ❤️

 

Entrevista: Inês Marto
Fotografias: Pedro Magalhães e Miguel Prata

Fora eu raiz

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Fora eu raiz

Para o que tenho de pássaros.

Fora eu carne e cicatriz

Para o que de mim são versos.

Terra que me albergue os lírios submersos.

Animal, instinto.

Solo, chão, primal, consciência.

Não-controlo, não-teorema, não-coerência.

Fora eu o contra-senso e a ousadia da ausência.

Buscar a minha fundura, revelação de horizonte.

Salto a fogueira e o abismo. Inspiro fundo.

Mergulho. Desfio-me o próprio mundo.

Sobrevivente coroada no tribunal do além.

Desenquadrada, ilimitada, amanhã serei liberta de tudo o que me contém.

Lamberei das minhas feridas

O sal que alada me ergueu

Eternamente aprendiz desse xadrez que sou eu.

Fio de Ariadne

Eu floresço. Não habito o sótão onde mora a tua essência.
Pudesse eu resumir-me a ávida coleccionadora de nuvens e estrelas no interminável ciclorama do tempo. Ou apenas gota de chuva debruçada ao precipício de onde sonhas. Quiçá ainda pudesse ser cinza que abandona a incandescência na morte lenta contra o muro que me mantém distante.
Mas não. Prenúncio dos Deuses, havia de nascer de coração kamikaze. Não, não me resumo. Não, não me limito. Não, não desenho fronteiras de onde começo e acabas.
Sim, agarro pelas minhas mãos para ti. Sim, sucumbo às tuas feridas. Sim, por detrás da barragem fechada a sete chaves dos olhos, dissolvo o eu e o tu. Sim, ser-te-ia refúgio sem nunca olhar os ponteiros.
Mas não habito o sótão onde mora a tua essência. Eu floresço. Eu grito de mim aos céus. Dissolução, espada erguida na suplantaçāo, permeável ânsia de encaixe, simbiótica transcendência.
Passo a passo. Sem tempo, sem espaço. Pudesse resumir-me à esperança que enlaço. Mão na mão, transparente. Vulcão de sonhos de gente. Eu sou esse pássaro holograma de sonhar, dentro da minha porta só fica quem nasceu para voar.
Não habito o sótão onde mora a tua essência. Talvez seja barco onde navegues esvaindo o cansaço das noites. Talvez que o ser casa e colo e luta te seja doce. Mas não habito o sótão onde mora a tua essência. A tua vida é lá fora.
Serei apenas estrela cadente. O ébrio regresso aos lírios do sonho, à distância de um suspiro. Renasço. Talvez te seja refrescante. Mas a tua vida é lá fora, onde os lírios secam e caem ao chão.
Desvio. Afasto. Defendo. Talvez pudesse enjaular o coração, talvez pudesse amar a conta gotas. Talvez purgasse a dor do solitário renascer para ser só estrela cadente.
Talvez pudesse, mas coração kamikaze só sabe dar saltos de fé, pensando toda a vez que talvez seja desta que a mão na mão permanece.
Então, latência. Então, anestesiado olhar pelo vidro. Então, um pé aqui, insana utopia, o outro no solitário renascimento pronto a seguir caminho.
Um limbo. A dor do desapego. Uma iconcreta estância de porta destrancada.
Dir-te-ia ainda assim que o meu poema mais bonito é o abraço que espero sempre por te dar. Mas a tua vida é lá fora. Não habito o sótão onde mora a tua essência. Resta estender no limbo o tapete, dormirei no chão da tua rua, quieta, quiçá acordes e queiras permanecer.
Se não, bordarei na minha partida sonhos a desaguar à tua porta, fio de Ariadne das minhas utopias. E lá longe onde continuo o meu caminho a passos sós, quiçá um dia nos voltemos a encontrar.

Os processos emocionais no contexto performático

 

A dissecação dos ciclosemocionais de raiva, ansiedade e subsequente aceitação pessoal, a partir de Giovanni Frazzetto, aplicada à construção da performance (Unbreak)able.

 
(Unbreak)able - draft
A performance (Unbreak)able teve como mote e como ímpeto criativo desde sempre abase cíclica e circular em que me afundo e afloro. Em que convirjo comigo,colido comigo, mergulho em mim e depois me elevo.
Esses círculos, esses ciclos, sãotanto a base da minha autoconsciência como, por consequência directa, da minhaarte que é objecto disso mesmo. E reflexo disso mesmo.
No caso específico da performanceescolhida como termo de análise dos processos emocionais subjacentes à criação– (Unbreak)able – as causas dessesmesmos ciclos e aquilo que em mim os aviva foram desde logo questões que tiveque explorar, chegando a motivos concretos, que pautam todo o percursoemocional.
Assim, escolhi assentar a minhaautoexploração nesses gatilhos emocionais concretos, por uma questão deexistência de um caminho delineado, com uma mensagem artística a passar, queconsiderei essencial à realização do trabalho performático.
Tratam-se de variantes diversas. Mastodas convergentes num denominador comum: a forma de me olhar a mim própria eas consequências disso. Mais pormenorizadamente, aquilo que nisso implicamquestões como a minha diversidade funcional – a chamada deficiência – e como meleva a perspectivas diferentes sobre o meu corpo e a forma como com ele merelaciono; a minha expressão de género, que é também factor determinante desseprocesso e até mesmo a minha sexualidade, onde tudo isto se reflectedirectamente.
Todos estes factores corroboram umquadro geral de como sinto e penso quando me olho ao espelho, ou quando metorno consciente de mim, quadro esse que tentei transpor para o trabalhoartístico variadas vezes, entre elas a performance (Unbreak)able.
Esse é o tal quadro que digoacontecer de forma cíclica ou circular. Esse é o tal quadro que em mim traz aarte quer enquanto escape quer enquanto espelho.
Procuro aqui, na análise de How we feel, de Giovanni Frazzetto,explorá-lo nos seus prismas psico-emocionais e biológicos para uma aproximaçãomais científica, para assim conseguir dissecar e deixar explícito de melhorforma esse que é o complexo mecanismo que acaba por me pautar em tanto do quesou.
Inicio a análise por onde a iniciatambém Frazzetto, no seu primeiro capítulo, “Anger: hot eruptions”.
Frazzetto começa logo por tocar numponto realmente interessante: “Anger is also fear with an armour. It works as a defensive, pre-emptive reaction beforesomething hurtful can be done to us.”1
Essa afirmação da raiva ser tambémmedo com uma armadura leva-me a considerar, primeiro que tudo, a raiz dafrustração e raiva que expressei como parte primeira da performance.
A reacção de revolta para com o meucorpo físico assenta essencialmente no medo da fragilidade que lhe é inerente.O medo dos obstáculos que isso me pode trazer de futuro, como até aqui tantasvezes trouxe.
O medo que é consequência justificadade o mundo não estar preparado para os nossos corpos não-normativos, para anossa diversidade funcional. E o desamparo que isso nos traz, o nunca saber porcerto como é o amanhã, se não tivermos ninguém. O ninguém ser garantido, nempara nós nem para os outros. E neste caso, a sobrevivência não ser,consequentemente, garantida, também.
E a frustração que isso nos traz, pornos lembrarmos a cada movimento consciente do fio de dependência física que lápermanece. E de, no fundo, nem sabermos como vamos ser, quem vamos ser nósamanhã, e em que padrão físico nos vamos reger. Já que, para nós, nem nósmesmos trazemos manual de instruções que nos valha.
Se um dia corre suavemente, talvezconsigamos cozinhar o almoço e lavar a loiça – é como quem diz escalar umamontanha, e talvez no fim nos sintamos válidos. Mas se, por outro lado, um diacomeça menos bem, desde logo sair da cama se torna uma missão impossível. Desdelogo o corpo não reage, desde logo a força não chega, desde logo tudo cai aochão e muitas vezes a nossa força também.
E desde logo não resta outra hipótesesenão colocar essa armadura que a raiva impõe ao medo. Aproveitar a explosão derevolta, do porque é que nos acontece a nós se não temos culpa de nada, edeixar que nos comande a força.
E, bem ou mal, sair da cama, mesmosem que nesse dia o corpo nos permita força para mais do que nos fazer refénsda cadeira-de-rodas, a mesma que nos outros dias é um par de asas.
E ainda assim, de pijama, descalços ea contentar-nos com o pacote de bolachas que conseguimos alcançar, fechar aporta do quarto que deixamos para trás das costas e seguir vida. Mesmo que nasnossas quatro paredes. Mesmo que a não ter outra coisa por ímpeto nesses diasque não fazer da nossa própria dor uma porta, escrever sobre ela, pensar sobreela, mergulhar nela e dissecá-la.
Talvez então chegar à arte. Talvezentão chegar a outras asas. Talvez um artigo, talvez uma performance, talvez umpoema. Seja como for, uma semente, seja como for, qualquer coisa para que ocustoso sair da cama não tenha sido em vão.
No caso, a raiva e a ansiedade estãointimamente ligados. A raiva é consequência dessa ansiedade, desses medos. É aexplosão dela que faz tantas vezes com que não nos reste outra coisa senãocontinuar em frente.
A ansiedade, contudo, parece-me serum processo menos linear, e sem a compensação de trazer consigo a força. Aansiedade é muitas vezes paralisante. E é também muitas vezes causada pelaraiva.
O caminho é bilateral. Se por um ladoleva a ela, por outro lado o atirar ao abismo em que a raiva nos coloca, podemuitas vezes trazer novas situações de desamparo em que a ansiedade escala,levando-nos ao poço de dúvidas que nos assola.
DizFrazzetto, no capítulo terceiro, que dedica à ansiedade: “If examined carefully,some of those worries sound ridiculous, or unnecessary to say the least, don’tthey? Yet, alone in the darkness of my bedroom, I didn’t seem to have muchcontrol over them.”2.
“I began to worry about themeaning of all I had done, whether or not I had taken the right decisions inlife . It was one of those moments when I thought I needed to do everything atonce, as if the world were about to end and I only had a few hours left toaccomplish all I had ever wanted to do.”3.
Mas a ansiedade também, no contextoda segunda parte da performance, mais raízes que não estão apenas ligadas àideia longínqua de um corpo funcional.
Prende-se muito também com o corponão-normativo na expressão de género, a fluidez de género, o não binarismo, omedo da exclusão social que, além do resto, isso também me traga, que me leve àsolidão – solidão essa que se torna mais assustadora ainda se considerarmostoda a explicação anterior – o medo da minha dimensão enquanto ser sexual nãoser reconhecida, o medo do desconhecido dos outros face a mim nesse contexto eque isso os afaste, como muitas vezes me chega a afastar a mim, por disforia epor revolta da distância face aos ideais.
“Fear has a specific target.What about anxiety? Well, anxiety is not as simple. Anxiety is usually a fearof the indefinite, something that we cannot always explain or even locate inspace and time. It is unpredictable, and often the anticipation of an unknownor not necessarily incumbent threat.”4.
No fim de contas, uma espiralexacerbada de preocupações sobre a desadequação, o isolamento e os sonhosgrandes demais para a realidade, que acaba por se tornar subcutânea e muitasvezes indefinida.
Mas é o afundar-me em tudo isso queme leva à terceira e última parte da performance. A aceitação, a resignação, oconformismo – embora nunca total porque já o sei cíclico, porque já me seicíclica a mim, e porque já me sei sonhadora sine qua non – é esse precipícioque me adensa e me torna maior, porque é também esse precipício que me permiteas ferramentas de fuga e de escape que me dão propósito, que me fazem valer osdias em que todo o resto me falha.
Nesse aspecto, pode até dizer-se sermeta-performance: (Unbreak)able foiem si mesmo um ponto de fuga, uma ponte para a aceitação induzida, enquantosimultaneamente acaba por versar sobre esse mesmo conteúdo, na sua parte final.
Em última análise, apraz-sepertinente expor conclusivamente o texto que escrevi enquanto enquadramentoteórico de defesa académica da performance, que creio encapsular da minhaprópria perspectiva este padrão sobre o qual nos debruçamos:
(Unbreak)able
 
“Quis despir-me. Na verdade, queriapoder despir mais que o corpo. Depois das roupas queria tirar a pele. Depois dapele queria arrancar a carne. Depois da carne desfazer os ossos entre os dedose os dentes. E desse nada que restasse, ver nos meus despojos até onde sedemarca a minha diferença. Isto sou eu. Não sei o que isso quer dizer. Não seia forma certa de me olhares, não há forma certa de me olhares, não há formacerta de coisa nenhuma, era por isso que não sabia como fazer nada disto.Partiria tudo do pressuposto do que vês quando me olhas. E a verdade absolutade mim, nem eu a tenho.
Uma pessoa, por acaso numa cadeira,ou uma cadeira com uma pessoa? Isto sou eu. Há 22 anos que ansiava pela minhaprópria libertação. Descobri a arte como espectro das minhas prisões. Oalimentar e o alimento circular dos meus fantasmas. Tempos a fio procurei umgrito de fénix. Mais tarde percebi ser cíclica. Caminhar lado a lado com amorte, respirar cara a cara com o frágil, transpirar pele a pele com o vácuo, éisso que me renova, é isso que me mantém. Será um dos meus poucos vícios,injectar sal nas feridas.
Quis mostrar esse tanto mais. Para láde posto em causa o diferente e o igual, o que fica por ver. Não sabia como. Omeu corpo, por si só, grita teses demasiado alto para que o resto sobressaia.
Então, quis ir mais longe ainda: fizda nudez ferramenta, das cicatrizes néones para um olhar aberto, dasdeformidades um púlpito por onde te trago a olhar-me desde mim. E despojei ocaminho expectável do resultado artístico. Ao que em mim há de poeta, retirei apoesia. Deito-me por terra, o nu do corpo espelha apenas a erupção que há-devir. Faço da sujeição à minha própria infimidade desmascarada, despudorada deartifícios, o veículo para a minha própria libertação.
Era isso que me faltava – não erampoemas, não era a demonstração óbvia do físico per si, não era o simbolismoartístico de uma identidade fluida de género, ou o fio da navalha da morte –isso é o que já sou todos os dias. Faltava-me a crueza de me deixar aoprecipício de mim, puxar da raiz de todos os traumas e deixar que a realidadetomasse o seu curso de explosão. Por uma (e de uma) vez, sem estéticas, ser-meveículo e permitir-me a chorar todas as lágrimas. Incorro no risco do sufocantedemasiado, ciente disso como na vida, acompanhar-me-ão os que souberem ficar,do maior resto não rezará a minha história. Hoje enfrento os meus fantasmas,cultivá-los-ei alimentados da minha pele, suor, lágrimas, e tudo o mais queeste deliberado incurso no precipício proporcionar, para que jamais me deixem.É deles que voo. A minha vidaé isso – vertigem.”

Dissertação produzida como proposta de avaliação à Unidade Curricular de Sociologia das Artes do Espectáculo, da Licenciatura de Estudos Artísticos - Artes do Espectáculo, docente Anabela Mendes, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2018.